Valor Econômico, n. 4922, 18/01/2020. Brasil, p. A7

Emprego no campo recua com tecnologia e mais produtividade
Thais Carrança


O setor agropecuário deixou de empregar quase 1,8 milhão de pessoas desde 2012. Entre o terceiro trimestre daquele ano e o de 2019, a população ocupada diretamente na atividade diminuiu de 10,3 milhões para 8,5 milhões. Somente na passagem de 2018 ao ano passado, foram 174 mil pessoas a menos trabalhando no campo, apesar de um crescimento estimado de 2,39% da produção agropecuária.

Os ganhos de produtividade, o avanço da mecanização e a maior concentração da produção explicam a redução ano a ano da mão de obra na agricultura, apesar do crescimento quase contínuo da produção no país, dizem especialistas. Segundo eles, no entanto, a renda gerada pelo agronegócio fomenta a criação de empregos em outros ramos da atividade, como a indústria e o setor de serviços.

Conforme números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população ocupada nas atividades de agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura diminuiu a uma média de 2,6% ao ano entre o terceiro trimestre de 2012 e igual período de 2019 - respectivamente, o ano de início da série histórica da Pnad e o dado mais recente disponível.

Em comparação, a população ocupada total cresceu a uma média de 0,7% ao ano neste período, mesmo com as quedas registradas em 2015 e 2016, como resultado da recessão. Entre 2012 e 2019 a produção agropecuária brasileira aumentou em média 3,1% ao ano, com baixas registradas apenas em 2012 e 2016, devido a quebras de safra por problemas climáticos, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Cepea/Esalq).

Nesse mesmo intervalo de tempo, a participação dos trabalhadores do setor agropecuário na população ocupada brasileira total recuou de 11,5% para 9,1%.

“Essa tendência não é recente, ela vem de muitos anos, com maior ou menor intensidade”, diz Nicole Rennó, pesquisadora do Cepea. “Isso é um reflexo da mudança na forma de produção agropecuária ou, dependendo do período, se existem oportunidades de emprego em outros setores. De 2012 para cá, predomina o primeiro fator, com o aumento da produtividade na agropecuária, que leva a uma substituição do trabalho por capital.”

Esse processo de modernização tem como efeito indireto a concentração da produção, explica a pesquisadora. “Com a dificuldade em competir, muitos estabelecimentos vão sumindo e a produção vai ficando mais concentrada em estabelecimentos maiores. Isso também contribui para ter menos pessoas envolvidas na agropecuária”, afirma.

O movimento fica evidente quando se olha para a evolução da população ocupada por posição na ocupação. Entre 2012 e 2019, sempre considerando terceiros trimestres, dos 1,8 milhão de trabalhadores que deixaram a agropecuária, 812 mil trabalhavam por conta própria, muitos deles, provavelmente, como pequenos produtores. Cerca de 780 mil eram trabalhadores familiares auxiliares - pessoas que ajudam parentes, sem remuneração, cuja participação tem diminuído também devido à dificuldade de sucessão no campo. Outros 198 mil dos demitidos eram funcionários com carteira.

Embora a redução da mão de obra no agro seja um fenômeno estrutural, a crise recente também deixou marcas no setor. A informalidade, que vinha em queda até 2014, voltou a crescer desde então, com os trabalhadores do setor privado sem carteira passando de 18% do total do setor agropecuário no terceiro trimestre daquele ano para 23% em igual período de 2019.

Mesmo com o menor número de pessoas trabalhando na produção agrícola e o aumento recente da informalidade, o rendimento médio do setor cresceu acima daquele da população em geral. Entre 2012 e 2019, a renda média das pessoas ocupadas na agropecuária passou de R$ 1.203 a R$ 1.301, aumento de R$ 98 ou 8,1%. Já a renda média nacional passou de R$ 2.131 a R$ 2.223, crescimento de R$ 92, ou 4,3%.

“A mão de obra que o universo agro mais liberou foi a mais básica, aquela de menor remuneração, cujo trabalho foi substituído pela máquina. A saída dessas pessoas da amostra aumenta a remuneração média”, diz Felippe Serigati, pesquisador do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV Agro). “Além disso, aumentou a demanda por mão de obra mais qualificada.”

A consultoria Michael Page, especializada em recrutamento e seleção, percebe essa mudança em seus negócios. O diretor Lucas Toledo conta que cresce a procura, por exemplo, por pilotos de drone para sistemas de mensuração de lavouras, desenvolvedores de software para controle da produtividade, engenheiros de produção e mecânicos, projetistas e designers para máquinas agrícolas, além de profissionais de compras, finanças, contabilidade, recursos humanos e administrativos que dão suporte para os grandes conglomerados agroindustriais.

“Há uma miríade de novas profissões, muitas delas que já existiam em outras indústrias e que, com a profissionalização do agro, estão sendo trazidas para o setor”, diz Toledo. Segundo ele, a remuneração de um desenvolvedor de software varia entre R$ 7 mil e R$ 12 mil, já um diretor comercial para agronegócio pode receber de R$ 30 mil a R$ 45 mil.

A mudança na demanda por profissionais no setor já aparece no grau de instrução dos trabalhadores. No terceiro trimestre de 2012, 84,7% dos ocupados na agropecuária não tinham instrução ou tinham apenas o ensino fundamental (completo ou incompleto). Esse percentual caiu a 74,7% no mesmo trimestre de 2019. Já os profissionais com ensino médio passaram de 14,1% para 23% e aqueles com superior completo subiram de 1,2% para 2,7%, ou de 118 mil para 221 mil pessoas.

“Parece pouco, mas são mais de 100 mil pessoas a mais no agro com nível superior, isso reflete tanto o aumento da escolaridade da população brasileira em geral no período, como a agropecuária demandando mão de obra mais especializada”, diz Nicole, do Cepea.

Segundo a pesquisadora, a tendência de redução da população ocupada no agronegócio deve continuar, e pode ganhar ímpeto caso a recuperação cíclica da economia se confirme, com mais oportunidades de emprego no meio urbano. Além disso, cresce também o número de pessoas que residem no campo e atuam fora da agropecuária. Entre 2012 e 2018, a participação de residentes do meio rural atuando em empregos não agrícolas cresceu de 41,5% para 47,5%, mostra estudo do Cepea divulgado em outubro.

Serigati, da FGV Agro, destaca que, apesar da redução da população ocupada nas chamadas atividades “dentro da porteira”, o setor tem gerado mais renda devido aos ganhos de produtividade. “Nas regiões em que o agronegócio é a atividade predominante, observamos uma evolução da taxa de desemprego mais favorável do que nas principais áreas metropolitanas, devido ao aquecimento do setor de serviços nessas regiões”, diz.

Estudo de 2017 realizado por Serigati e coautores sobre o Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) mostrou que, naquela região de fronteira agrícola, a população ocupada no agro diminuiu em média 1,4% ao ano entre 2012 e 2016, enquanto cresceu 3,3% em serviços e 0,7% na indústria.

Para analistas, ocupação em 2019 teve leve melhora

O mercado de trabalho formal deve fechar vagas em dezembro, como é típico do mês, devido à demissão de temporários contratados ao longo do segundo semestre. Apesar disso, o ano de 2019 deve ter encerrado com ligeiro aumento no saldo de vagas com carteira, em relação a 2018, ainda que abaixo do esperado no início do ano passado - a exemplo do que aconteceu com as expectativas para o Produto Interno Bruto (PIB).

A mediana de 23 estimativas colhidas pelo Valor Data aponta para o fechamento de 330 mil vagas em dezembro. As projeções variam de -405,5 mil a -270 mil.

Para 2019, a mediana das estimativas aponta para um saldo de 552 mil vagas, sem ajuste para inclusão de dados enviados com atraso pelas empresas, ante 421,1 mil postos criados em 2018. Ao fim daquele ano, os economistas esperavam a criação de 776 mil empregos com carteira em 2019. Apesar do resultado abaixo do esperado, caso se confirme a mediana das projeções, o ano passado terá sido o melhor para o emprego formal desde 2013, quando houve criação de 1,1 milhão de vagas com carteira (sem ajuste).

O Ministério da Economia ainda não tem data para a divulgação do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) de dezembro, mas o indicador costuma ser publicado a partir do dia 20 do mês seguinte ao de referência.

A GO Associados projeta fechamento de 357 mil vagas em dezembro de 2019, contra 334 mil empregos encerrados em igual mês de 2018. “No mês de dezembro há muita destruição de empregos, o saldo é sempre muito negativo e isso é sazonal”, diz Alexandre Lohmann, da GO.

O economista explica que sua estimativa de um saldo mais negativo para dezembro de 2019, em relação ao de 2018, se deve ao maior número de contratações no ano passado. Até novembro, o país gerou 867 mil vagas com carteira (sem ajuste), acima dos 756 mil empregos criados entre janeiro e novembro de 2018.

“Houve mais vagas criadas, por causa disso, a destruição de postos deve ser maior em dezembro, mas isso não indica em nada uma inversão de tendência, é uma consequência lógica dos bons resultados dos meses anteriores”, afirma Lohmann. Por setores, o analista avalia que indústria, construção civil, serviços e agropecuária devem fechar o maior número de postos em dezembro. Já o comércio pode ter um resultado ainda positivo, devido às vendas de Natal.

Para 2019, o analista avalia que os destaques positivos devem ser a construção civil e o comércio, com pior desempenho da indústria de transformação. “Ao fim de 2018, projetava abertura de 750 mil vagas em 2019 e vamos fechar pouco acima dos 500 mil”, diz Lohmann. “É o mesmo que aconteceu com o PIB, que deve ter fechado o ano com alta de 1,2%, quando o mercado esperava 2,5% no início de 2019. A frustração da atividade repercute no mercado de trabalho.”

Para 2020, a mediana das expectativas aponta para abertura de 856,6 mil vagas. O resultado melhor acompanha o desempenho mais forte também esperado para o PIB - a mediana das projeções do mercado está em 2,3%, segundo o boletim Focus.

“Projetamos aceleração na criação de empregos formais e no crescimento do PIB, desaceleração na criação de empregos informais, e uma queda lenta da taxa de desemprego”, escreve Luka Barbosa, analista do Itaú, em relatório. O banco projeta saldo de 595 mil vagas formais em 2019, com taxa de desemprego média de 11,9% e um crescimento do PIB de 1,2%. Para 2020, as estimativas são de 888 mil vagas, taxa de desemprego média de 11,6% e alta do PIB de 2,2%.