Valor Econômico, n. 4921, 17/01/2020. Opinião, p. A10

A perversa lógica econômica da criminalidade
Carlos von Doellinger


A criminalidade, notadamente na forma do crime organizado, possui, infelizmente, sua “lógica econômica”. Há inclusive uma curiosa teoria econômica do crime, proposta originalmente pelo economista, professor da Universidade de Chicago e prêmio Nobel de 1992, Gary Becker.

O conhecimento dos fundamentos dessa lógica da criminalidade é importante precisamente para se dispor de políticas públicas eficazes no seu combate, especialmente na quebra da espinha dorsal do crime organizado.

O objetivo desse texto, todavia, é apenas o de ressaltar alguns aspectos dessa lógica perversa aplicada à realidade brasileira atual e analisar algumas medidas de combate, ou sugerir novas ações públicas.

De início, porém, uma boa notícia. A criminalidade, na sua face mais cruel - o número de homicídios ou taxas de homicídios - parece estar em declínio, após o “pico” histórico recente registrado em 2017.

Entre 2015 e 2017, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, houve uma sinistra escalada do número de homicídios (50.080 para 65.602), que parece ter decorrido em grande parte do acirramento da “guerra do tráfico” entre facções criminosas e de um certo descontrole do poder público nas unidades prisionais e ações tímidas de combate ao crime organizado.

Houve, no entanto, uma queda nesse número já em 2018, de 13%, e mais notadamente nos dados preliminares de janeiro a agosto de 2019, quando se registra uma redução adicional de 22%, segundo informa o Ministério da Justiça.

Esses dados mais favoráveis já parecem indicar uma tendência, e não surgiram de circunstâncias aleatórias, tendo em conta que desde início de 2019 foram implementadas ações importantes de combate aos delitos criminais.

Cabe destacar, dentre outras medidas, os novos investimentos em segurança e na formação de agentes penitenciários federais, a retomada gradativa do controle dos presídios estaduais, o reforço da segurança nas fronteiras mais desguarnecidas e o maior empenho do governo em ações organizadas no combate à criminalidade em geral.

Além dessas, cabe mencionar uma ação de grande importância, ressaltada recentemente pelo ministro Sérgio Moro, e que parece ter passado despercebida: a queda de 36% nos roubos e ataques muito bem “orquestrados” a instituições financeiras e que pareciam desafiar o aparato policial.

E por que esse destaque?

Simplesmente porque uma das formas mais eficazes de combate ao crime organizado e ao tráfico de drogas é a chamada “asfixia financeira dos negócios”. Ou seja, o crime organizado necessita de pesados “financiamentos”, especialmente para a compra de armas e munição e para o pagamento da “folha salarial” dos criminosos. Ou seja, demanda muito investimento fixo e “capital de giro”.

Recursos dessa magnitude não podem ser conseguidos apenas pela via de roubos ou furtos eventuais, assaltos a pessoas e ao patrimônio individual. Esses delitos, conquanto frequentes e danosos, servem mais para o consumo e resguardo dos criminosos, mas não ao financiamento do crime organizado em maior escala.

O aumento da escala dos “negócios” exige muito mais capital de giro, que vinha sendo conseguido, em grande parte, pelos sucessivos e cada vez mais ousados assaltos às instituições financeiras, especialmente em áreas mais vulneráveis. É nesse sentido que a redução desses roubos parece excelente notícia. Bom para as instituições financeiras, mas muitíssimo melhor para a sociedade em geral.

Outro aspecto econômico da criminalidade, que caberia ressaltar, diz respeito ao custo social da criminalidade em geral, e não apenas ao crime organizado.

De acordo com dados recentes publicados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no chamado “Atlas da Violência”, estima-se que os custos da violência, distribuídos entre custos privados (custos intangíveis dos homicídios e gastos diversos com segurança privada) e despesas públicas (em segurança pública em geral, sistema de saúde e hospitalar e sistema prisional), atingem algo como 6% do PIB, que poderiam estar muito melhor aplicados em benefícios sociais para as populações e até mesmo em investimentos públicos; na formação de capital do país. Ou seja, somos forçados a gastar muito e cada vez mais para reprimir o mal e não para propriamente fazer o bem! Esse e muitos outros estudos recentes do Ipea têm sido desenvolvidos pelas suas diretorias social e institucional no sentido de propor políticas públicas mais eficazes.

É no sentido da redução desses custos que também contribuem as recentes medidas mencionadas anteriormente. E que oxalá tenham prosseguimento célere!

Em suma, reprimir o crime, os delitos e a violência em geral não é “apenas” uma questão moral e de bem-estar da esmagadora maioria da população, que é do bem, mas é também um impulso importante ao bom desempenho da ordem econômica.

Assim como as reformas econômicas em andamento, a redução da criminalidade ajuda em muito na redução dos chamados “custos de transação” da economia, e portanto contribuem para o aumento da produtividade geral dos fatores e o melhor desempenho da economia.

(O autor agradece as sugestões e contribuições do colega e amigo Adolfo Sachsida, secretário de Política Econômica do Ministério da Economia).