Valor Econômico, n. 4921, 17/01/2020. Opinião, p. A10

Governo retoma projeto ousado de privatizações


Um dos principais e mais chamativos princípios econômicos do governo Jair Bolsonaro, consubstanciado nas declarações do ministro Paulo Guedes desde o início da atual gestão federal, é a privatização de um amplo espectro de empresas. Essa intenção de reduzir o tamanho do Estado, abrindo caminho para maior participação do setor privado, justifica o apoio de boa parte do mundo corporativo ao governo federal - por isso mesmo, houve certa decepção no ano passado com o ritmo dos projetos de desestatização, considerado por muitos como lento.

Na terça-feira, o secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Salim Mattar, veio a público apresentar como meta para 2020 a venda de participações de empresas estatais no volume de R$ 150 bilhões. Esse valor refere-se às mais de 300 companhias que ele prevê que o governo privatize, total ou parcialmente, ou que se desfaça de participações minoritárias, de um total de 624 firmas ainda existentes.

Como o próprio Mattar reconheceu, é uma meta ousada, ainda mais que nesta conta não estão incluídos Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Petrobras. Ele disse especificamente que essas três estatais, as mais atraentes para os investidores, estão fora da linha de intenções de venda de Brasília. Uma empresa sobre a qual pairam dúvidas são os Correios. A simples liquidação está fora de cogitação, disse.

No momento, uma orientação que está sendo obedecida pelos técnicos do governo federal é buscar informações sobre investimentos que se revelaram errados. Ele citou dois exemplos. O Banco do Brasil tem participação em um banco no Egito e a Caixa comprou participação em banco na Venezuela. Segundo Mattar, essa instituição venezuelana quebrou, “virou pó”, e já foi lançada em prejuízo.

No ano passado, o balanço das ações de redução do Estado apontou que a União se desfez totalmente de participações em 71 empresas, sendo 13 subsidiárias, 39 coligadas e 19 simples participações. Mattar reconheceu que o processo de privatização é naturalmente lento, burocrático e tem que ser feito com cuidado porque afinal se trata de bens que pertencem à população, aos contribuintes.

Mattar, disse que o governo pretende enviar em fevereiro o projeto de “fast track” (atalho) para as privatizações. Segundo ele, o projeto está pronto e prevê que obrigatoriamente as empresas privatizáveis sejam incluídas diretamente no Plano Nacional de Desestatização (PND), sem passar pelo Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), etapa de avaliação sobre a conveniência de se privatizar ou não determinada companhia.

Essa intenção do governo, particularmente do secretário nomeado para tocar o projeto de desestatização, de tentar acelerar o ritmo das vendas de ativos poderá atenuar as críticas que estão sendo feitas por muitos especialistas sobre a demora na concretização desse plano. Recentemente, por exemplo, a economista e advogada Elena Landau, uma das responsáveis pelo programa de privatizações dos governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, na década de 1990, disse à “Folha de S. Paulo” que o governo atual não tem obtido grandes avanços que possam ser considerados uma agenda verdadeiramente liberal na área econômica. Um dos pontos negativos da atual administração seria o atraso na redução das participações em empresas.

Não há dúvidas de que no Brasil existem muitas empresas controladas pelo governo federal, com atuação em áreas nas quais de forma geral o setor privado se sai melhor na prestação de serviços à população. Uma questão importante no debate é saber qual o melhor momento para os governos se desfazerem das companhias (especialmente no caso daquelas de capital aberto, com ações na bolsa de valores) e como será a transferência dos serviços prestados pela empresa em processo de privatização sem que os usuários e clientes tenham perdas.

Levantamento recente do Observatório das Estatais da Fundação Getulio Vargas indica que o país tem 138 empresas estatais federais. Se contabilizadas as companhias que pertencem a Estados e municípios, e não apenas à União, o total passa de 400. Outro estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com dados de 2015, indica que as 134 estatais federais que o Brasil tinha na época colocavam o país em quarto lugar num ranking internacional, atrás de Índia (270), Hungria (370) e China (51.341).