Valor Econômico, n. 4921, 17/01/2020. Política, p. A6

Bolsonaro ataca imprensa e afirma que manterá secretário no cargo
Fabio Murakawa
Matheus Schuch


O presidente Jair Bolsonaro disse ontem que manterá no cargo o secretário especial de Comunicação Social (Secom), Fábio Wajngarten, em meio às revelações de que ele é sócio de uma agência que tem como clientes empresas com contrato com o governo.

O presidente atacou a imprensa por ter publicado a história por diversas vezes ao longo do dia. Entretanto, deixou escapar em uma de suas falas que, se tiver algo ilegal a respeito da atuação do secretário, “a gente vê lá na frente”.

“Se foi ilegal, a gente vê lá na frente, mas pelo que eu vi, até agora, tá tudo legal com o Fábio. Vai continuar. É excelente profissional. Se fosse um porcaria, como tem muitos por aí, ninguém tava falando”, disse.

Apesar da postura de Bolsonaro, fontes no governo veem a situação de Wajngarten no cargo como “delicada”, mesmo que uma demissão não deva ocorrer agora.

Em reunião a portas fechadas na noite de ontem, da qual participaram o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário, e os ministros Luiz Ramos (Secretaria de Governo), chefe de Wajngarten, e Jorge Oliveira (Secretaria-Geral), o secretário foi instado a mostrar documentos que comprovariam que ele agiu de acordo com a lei.

Porém, na opinião de alguns auxiliares do presidente, ainda que Wajngarten tenha deixado de gerir a FW Comunicação e Marketing, há claro conflito de interesse, uma vez que ele detém 95% do controle acionário da empresa - os outros 5% pertencem à sua mãe.

A Secom é responsável por gerir as verbas publicitárias do governo. Chefiar essa secretaria e ter como clientes empresas que se beneficiam dessas verbas é algo que depõe contra o secretário.

Bolsonaro ontem voltou a atacar a imprensa, em especial a “Folha de S.Paulo”, que fez as revelações. O presidente achacou repórteres do jornal de manhã e de noite na porta do Palácio da Alvorada.

Pela manhã, mandou uma jornalista do diário “calar a boca” e se recusou a responder perguntas dela. À noite, questionado sobre o caso por outro repórter do jornal paulista, respondeu: “Você está falando da sua mãe?”.

Fontes dizem que Wajngarten está muito abalado com o noticiário a seu respeito. Ele não foi visto em um evento na tarde de ontem no Planalto, o que raramente acontece. Nessa mesma ocasião, Bolsonaro pediu que a imprensa comece a “produzir verdades” e tome “vergonha na cara”.

“Essa imprensa que aqui está me olhando: comecem a produzir verdades, porque só a verdade pode nos libertar”, disse ele, em discurso no evento de troca de comando da Operação Acolhida do Exército, que cuida da crise de refugiados em Roraima, na fronteira com a Venezuela. “À imprensa: não tomarei nenhuma medida para censurá-la, mas tomem vergonha na cara. Deixem o nosso governo em paz. Repetindo: comecem a vender a verdade, afinal é obrigação de vocês. Não é nenhum favor não.”

Segundo Bolsonaro, “a história diz” que “a nossa imprensa tem medo da verdade”.

O presidente também criticou a jornalista Thais Oyama, que está lançando o livro-reportagem “Tormenta”, sobre o primeiro ano do governo Bolsonaro.

“Deturpam o tempo todo e, quando não conseguem deturpar, mentem descaradamente. Esse é o livro dessa japonesa, que eu não sei o que faz no Brasil, que faz agora contra o governo”, disse Bolsonaro sobre a repórter, que é brasileira descendente de japoneses. “São aqueles que o tempo todo trabalham contra a democracia, contra a liberdade e estão a soldo do que não presta no nosso Brasil.”

Presidente critica Chile e Argentina

Em evento com refugiados venezuelanos no Palácio do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro disse que o Chile está “caminhando para o socialismo”.

A fala de Bolsonaro, em tom de crítica, ocorre horas depois da notícia de que a popularidade do presidente Sebastián Piñera baixou a 6%, após meses de protestos no país.

Bolsonaro discursou ao fim de um evento de troca de comando da Operação Acolhida, montada pelo Exército brasileiro em Roraima para receber as levas de refugiados venezuelanos que chegam ao Estado na fronteira entre Pacaraima (RR) e Santa Elena de Uairén, na Venezuela.

Diante de dezenas de crianças atendidas pela operação do Exército, Bolsonaro criticou o regime de Nicolás Maduro, que o Brasil não reconhece como presidente legítimo do país vizinho.

O presidente também frisou as ligações históricas do governo chavista com o PT ao citar seu rival nas últimas eleições presidenciais, o petista Fernando Haddad.

“Irmãos da Venezuela que estão aqui, se estivesse aqui o Haddad vocês não estariam aqui. Ele estaria lá como o Maduro”, afirmou. “O que nós temos de mais sagrado é a nossa liberdade, é a nossa democracia que nós temos todo dia que zelar e lutar por ela. Caso contrário podemos entrar numa situação que entrou a Venezuela.”

Depois, Bolsonaro pediu a Deus que “abra a mente daqueles que ainda estão ao lado da esquerda, esta maldita esquerda que não deu certo em lugar nenhum do mundo e alguns teimam em querer fazer com que ela volte ao poder”.

“Não dê chance a essa nova esquerda. Eles não merecem ser tratados como pessoas normais, que querem o bem do Brasil. Não podemos chegar a 2022 como chegou a Argentina no presente ano”, disse. “Ou como esta caminhando um próspero país, o Chile, caminhando para o socialismo. Não podemos deixar que o Brasil chegue à situação dessa garotada", afirmou, em referência às crianças.

Momentos antes, Bolsonaro fez uma transmissão ao vivo com os venezuelanos. Nela, também criticou a Argentina, que voltou a ser governada pela esquerda. “Tivemos agora a experiência na Argentina. Primeira consequência: outros países, o americano na frente, nos fez passar na OCDE [na frente] da própria Argentina”, disse. “A gente torce para que a Argentina dê certo, mas sabemos que pelo quadro político que está lá eles vão ter dificuldade. Fizeram a opção de eleger quem os colocou na situação de desgraça [em] que se encontravam.”