Valor Econômico, v.20, n. 4866, 25/10/2019. Finanças p.C1

 

Cenário de juro na mínima predomina ainda em 2020


Maioria prevê taxa Selic a 4,5% no fim deste ano


Por Victor Rezende e Lucas Hirata 

Mesmo com a expectativa de retomada do PIB no próximo ano, após todo o esforço do Banco Central para estimular a economia brasileira por meio de sucessivos cortes nos juros, o mercado ainda minimiza o risco de algum tipo de normalização da política monetária até o fim de 2020. De acordo com pesquisa conduzida pelo Valor Data com 68 instituições financeiras, a grande maioria - 55 entrevistados ou 81% do total - acredita que a taxa básica de juros, a Selic, terminará o ano que vem em nível igual ou menor que a taxa esperada para o fim de 2019.

Dentre os ouvidos, 20 casas acreditam que a Selic encerrará 2020 em níveis ainda mais baixos do que no fim de 2019, enquanto o cenário da maioria, que agrupa 35 instituições, é de taxa de juros igual na comparação entre os dois períodos. Isso significa que apenas 13 casas projetam que a taxa estará em nível mais elevado em dezembro do ano que vem.

“Ainda é cedo para falar sobre fim do ciclo ou sinalizar qualquer intenção de parada. A inflação permanece benigna, o cenário internacional é de extrema liquidez e as expectativas de crescimento econômico ainda são incipientes, apesar de estarem melhorando”, afirma Solange Srour, economista-chefe da ARX Investimentos.

A perspectiva de juros baixos por mais tempo prevalece mesmo com a leitura de que a política monetária deve ficar ainda mais estimulativa nos próximos meses. O atual ciclo de flexibilização monetária já contou com dois cortes da Selic, em julho e setembro. E para 57 analistas que participaram da sondagem, a taxa básica de juros deve cair do nível atual de 5,50% para 4,50% até o fim do ano, com mais dois cortes sequenciais de 0,50 ponto percentual.

O próximo passo deve ser dado na próxima quarta-feira, quando o colegiado anuncia sua decisão de política monetária de outubro. Com exceção de uma casa, todos os analistas esperam corte de 0,50 ponto percentual da taxa básica de juros para 5% ao ano. O único dissidente, o Itaú Asset Management, antecipa uma atuação ainda mais agressiva da autoridade monetária ao esperar corte da Selic em 0,75 ponto, para 4,75%.

Para 2020, ainda existe alguma discussão no mercado sobre qual será o ponto específico da taxa básica no fim do período. Os cenários que mais concentram as projeções, entretanto, são de Selic a 4,50% com 30 instituições, e taxa de 4%, com 13 casas. Ao todo, 48 instituições veem a Selic em 4,5% ou menos no fim de 2020, enquanto 20 casas trabalham com cenário de juro básico de 4,75% ou mais.

A perspectiva de que o Copom deve levar mais algum tempo para impor uma alta da Selic ocorre mesmo com o cenário de crescimento econômico maior em 2020. De acordo com a pesquisa Focus, conduzida pelo Banco Central, a estimativa de crescimento do PIB em 2020 está em 2% ante expansão esperada de 0,88% em 2019.

O que explica esse cenário de retomada da atividade e juro baixo é o quadro de inflação bastante comportada, num contexto de grande capacidade ociosa na economia, em que o PIB continua longe de atingir seu potencial de expansão, de acordo com boa parte dos analistas. Ainda segundo o Focus, os analistas esperam que o IPCA, principal índice de preços do país, tenha alta de 3,66% no ano que vem, bem aquém da meta de inflação perseguida pela autoridade monetária, de 4%.

“Os dados divulgados nas últimas semanas dão apoio à avaliação de que as perspectivas de inflação melhoraram desde a última reunião do Copom”, afirma Gustavo Rangel, economista-chefe para América Latina do ING. Rangel enfatiza, ainda, que as mudanças nas perspectivas de inflação ocorreram no contexto de mudanças nas expectativas do mercado em favor de um ciclo de flexibilização monetária mais profundo do que o esperado anteriormente.

Assim, para o banco, a Selic deve cair a 4% no primeiro trimestre do próximo ano e o comportamento do câmbio deve ajudar a solidificar a continuidade da postura “dovish” - mais favorável a juro baixo - do Copom. “Suspeitamos que o risco de um ‘sell-off’ desestabilizador contra o real tenha sido reduzido. E, se estivermos certos, o risco do dólar ficar acima de R$ 4,20 perdeu força consideravelmente, melhorando as perspectivas de um ciclo de flexibilização mais profundo.”

O mercado de juros futuros da B3 projeta baixa de quase 1 ponto percentual da Selic em 2019, o que levaria a taxa para 4,5%, em linha com o esperado pelos analistas. Além disso, os investidores têm queimado, dia após dia, o prêmio que ainda permanece em torno da trajetória da Selic em 2020. Desde terça-feira, por exemplo, a alta de juros precificada no mercado para o segundo semestre do ano que vem caiu de 0,58 ponto percentual para 0,37 ponto.

Há, contudo, quem contemple o início de uma normalização da política monetária em 2020. É o caso de Vitor Carvalho, sócio e diretor da Laic. “Parece razoável que, a ser alcançado o nível de atividade econômica desejado pelo BC, pelo governo e pela sociedade em geral, que grandes pressões inflacionárias voltem a surgir”, diz o economista. Assim, para ele, o processo de normalização monetária deve ter início em setembro de 2020, “em um ciclo que deve promover um aperto monetário total de 2,50 pontos percentuais nos dois anos seguintes”.

 

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BCE mantém taxas na despedida de Draghi


Bancos e seguradoras reclamam que as taxas negativas tiveram um impacto corrosivo sobre seus modelos de negócios


Por Martin Arnold 

Mario Draghi encerrou sua última reunião de política monetária no Banco Central Europeu (BCE) deixando as taxas de juros inalteradas e reafirmando o pacote já em vigor de medidas de afrouxamento anunciado pelo executivo no mês passado.

O presidente do BCE, em fim de mandato, disse estar orgulhoso de ter realizado a missão do banco central durante sua gestão, acrescentando: “Isso é parte do nosso legado: nunca desistir”.

Previa-se no mercado que o BCE manteria sua política monetária inalterada na reunião de ontem, após ter desencadeado uma discussão acalorada no mês passado, ao reduzir as taxas de juros para -0,50% e retomar o programa de afrouxamento quantitativo de compra de bônus após uma pausa de dez meses.

Ontem o conselho diretor do BCE repetiu sua orientação de que as taxas de juros não subiriam “enquanto [a instituição] não visse as expectativas de inflação convergirem fortemente para um nível suficiente próximo, embora inferior, a 2% dentro de seu horizonte de projeções, e enquanto tal convergência não tiver se refletido coerentemente na dinâmica da inflação subjacente”.

Em entrevista coletiva à imprensa concedida após o anúncio, Draghi instou os governos da zona do euro a sancionar reformas voltadas para melhorar a produtividade e os mercados de trabalho, e a empregarem a política fiscal para estimular mais a economia do bloco.

“Todos os países deveriam intensificar seus esforços para alcançar uma composição das finanças públicas mais favorável ao crescimento”, disse ele. Draghi acrescentou que o paradigma da economia mundial mudou recentemente e que as autoridades do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de outras instituições aceitam agora que as taxas continuarão baixas por muito tempo ainda.

Katharina Utermöhl, economista-sênior para a Europa da seguradora alemã Allianz, disse: “A coletiva à imprensa foi usada, em grande medida, para minimizar a importância das divisões no conselho diretor, justificar as recentes medidas de afrouxamento e confirmar sua permanente capacidade e prontidão para agir se necessário”.

A sucessora de Draghi, Christine Lagarde - que assumirá o cargo na semana que vem - esteve presente na reunião, embora não tenha participado das discussões. Draghi disse “não ser necessário dar qualquer conselho” à sua sucessora sobre como desempenhar a função.

A decisão do banco central ocorre em meio a mais sinais sombrios para a economia da zona do euro. O sentimento dos agentes econômicos revelou leve alta mês a mês em outubro, mas permaneceu apenas ligeiramente acima da marca dos 50 pontos, que separa a expectativa de crescimento da de contração.

A inflação da zona do euro caiu no mês passado para sua maior baixa dos últimos três anos, de 0,8%, bem inferior à meta do BCE, e tendia a recuar ainda mais no último trimestre do ano, disse Draghi. No começo da semana o Bundesbank, o BC da Alemanha, advertiu que uma diminuição no nível de atividade da indústria de transformação e das exportações alemãs pode ter arrastado o país para um quadro de recessão no terceiro trimestre.

Draghi apontou para dados econômicos recentes que revelam que a desaceleração acentuada da atividade da indústria de transformação teria começado a contaminar o setor de serviços, até agora sólido, como prova de que as recentes medidas de afrouxamento do BCE eram justificadas.

Ele rejeitou sugestões de que as taxas negativas estejam fazendo mais mal do que bem, dizendo que elas foram “uma experiência muito positiva” que estimulou a economia e impulsionou o nível de emprego; as melhorias na economia teriam “mais do que neutralizado” quaisquer consequências negativas, embora o BCE esteja monitorando os riscos de mais longo prazo, acrescentou.

As medidas dividiram o conselho diretor do BCE, embora as vozes discordantes tenham tentado, recentemente, pôr fim ao clima de discórdia, ao tentar antecipar as grandes questões que tenderão a ocupar Lagarde. Draghi disse que houve “um apelo geral em favor da unidade” no conselho diretor, que aprovou por unanimidade sua mais recente decisão, acrescentando que um dos que assumiram posição contrária na última reunião tinha dito “o que passou, passou”.

Mas economistas acham que a reação adversa negativa pública enfraqueceu a credibilidade do BCE e poderá dificultar para Lagarde a tarefa de afrouxar a política monetária ainda mais no futuro.

“Draghi assumiu a missão tecnocrática do BCE de salvaguardar o euro, o mais possível, contra as limitações políticas”, disse Lena Komileva, da consultoria G+ Economics. “Isso requer forte liderança política para mover as fronteiras de política [monetária] do possível para um resultado econômico diferente, de crescimento sólido, mercado de capitais dinâmico e sustentabilidade da dívida”, disse ela, acrescentando que Lagarde é “a pessoa certa, talvez a única pessoa, para levar essa missão adiante”.

Draghi se prepara para uma cerimônia de despedida na segunda-feira, que incluirá discursos da chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e do presidente da França, Emmanuel Macron.

Ao economista italiano de 72 anos é atribuído, em amplos círculos, o mérito de ter aprimorado a instável sustentação para o euro durante a paralisante crise da dívida da região, ao prometer fazer “o que for necessário” e, em seguida, reduzir as taxas de juros para campo negativo e comprar € 2,6 trilhões em bônus.

Mas os bancos e seguradoras reclamam que as taxas de juros negativas tiveram um impacto corrosivo sobre seus modelos de negócios. Os críticos também argumentam que a política monetária ultrafrouxa inflou as bolhas de ativos, permitiu que países perdulários do sul da Europa contornassem a realização das necessárias reformas estruturais e manteve de pé “empresas zumbis” que, de outra maneira, teriam falido.