Valor Econômico, v.20, n. 4866, 25/10/2019. Política p.A10

 

Bolsonaro e Flávio tentam demarcar distância de Queiroz após áudio vazar


Presidente e senador reagem após divulgação de áudio e afirmam não ter mais nenhum contato com ex-assessor


Por Maria Cristina Fernandes, Cristiane Agostine e Vandson Lima

“O Queiroz cuida da vida dele e eu cuido da minha.” Foi assim que o presidente Jair Bolsonaro reagiu ao ser indagado em Pequim se esperava que Fabrício Queiroz, o ex-assessor de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), ainda estivesse negociando cargos em gabinetes de parlamentares na Câmara e no Senado, conforme divulgou “O Globo” ontem em seu site.

Contrariado por ter sido indagado sobre o tema, Bolsonaro ameaçou encerrar a entrevista. Disse não ter ouvido o áudio em que Queiroz revela as tratativas. Indagado se a revelação do áudio teria sido originada pela guerra de seus filhos com o presidente do PSL, Luciano Bivar, respondeu: “Não sei, não falo mais com Queiroz, mas vou ouvir o áudio”. Horas depois, no fim do dia, o presidente voltou ao tema e demonstrou incômodo com o caso. “Alguém tem que ir atrás dele, tem um ódio bobo. Por que não tem uma busca e apreensão? Está sendo feito o serviço”, disse. Indagado se a justiça não deveria se ocupar de Queiroz, respondeu: “ já está se ocupando, prestou depoimento por escrito ao Ministério Público”.

O presidente confirmou ter conversado com “quatro ou cinco” parlamentares do PSL, “há uns 10 dias”, sobre a crise partidária: “Tenho direito, são do meu partido”. O presidente voltou a dizer que o desfecho desta crise pode ser sua saída do PSL.

Flávio também demarcou distância do ex-assessor que trabalhou em seu gabinete no Rio, quando deputado estadual. O senador disse ontem em vídeo de 52 segundos, difundido nas redes sociais, que Queiroz não tem acesso a seu gabinete. Afirmou ainda não ter mais contato com Queiroz “há quase um ano”. “Fica bem claro nesse áudio que ele não tem nenhum acesso ao meu gabinete, me parece bastante óbvio, tanto é que ele está aí fazendo a reclamação de que não tem acesso a nenhum cargo, a nenhum tipo de espaço. Só é isso que está dizendo esse áudio”, afirmou.

No áudio de Queiroz divulgado por “O Globo”, o ex-assessor sugere a interlocutor não identificado como proceder para fazer indicações políticas em gabinetes de parlamentares. Na conversa, descreve o gabinete de Flávio no Senado como lugar muito demandado por congressistas.

No áudio, que teria sido gravado em junho, Queiroz mostra estar a par do funcionamento do gabinete: “O gabinete do Flávio faz fila de deputados e senadores, pessoal para conversar com ele, faz fila. Só chegar lá e nomeia fulano aí para trabalhar contigo aí, salariozinho bom desse aí para a gente que é pai de família, cai como uma uva”. O ex-assessor fala ainda na facilidade de conseguir nomear pessoas para cargos no legislativo federal. “Tem mais de 500 cargos, cara, lá na Câmara e no Senado. Pode indicar para qualquer comissão ou, alguma coisa, sem vincular a eles (família Bolsonaro) em nada.” E depois Queiroz complementa: “20 continho aí para gente caía bem”. Ao jornal “O Globo”, Queiroz afirmou que mantém a influência por ter “contribuído de forma significativa na campanha de diversos políticos no Estado do Rio de Janeiro”.

Queiroz é investigado pelo Ministério Público do Rio por suposta prática da rachadinha, empregar pessoas e se apropriar de parte dos salários. Durante onze anos (de 2007 a 2018), trabalhou no gabinete de Flávio na Assembleia do Rio.

Em nota, o advogado de Flávio, Frederick Wasseff, questiona se, de fato, é Queiroz quem fala na gravação - apesar de o próprio não ter negado a conversa. “Não é possível afirmar, pelo áudio, se é Fabrício Queiroz quem fala ou se é outra pessoa. A gravação deveria passar por perícia da Polícia Federal para garantir sua autenticidade e avaliar se a voz é do ex-assessor”.

 

_______________________________________________________________________________________________________________________

 

‘Rachadinha nunca parou’, diz ex-líder


Para ex-líder do PSL, Bolsonaro vendeu gato por lebre ao defender combate à corrupção


Por Marcelo Ribeiro e Renan Truffi 

Dias após ser destituído da liderança do PSL na Câmara, o deputado Delegado Waldir (PSL-GO) voltou ontem a atacar o grupo político do presidente Jair Bolsonaro. Além de afirmar que a prática da “rachadinha”, esquema de repartição de salários de servidores comissionados, nunca deixou de existir, ele defendeu a expulsão do deputado Eduardo Bolsonaro do PSL. E disse que o presidente está desalinhado do combate à corrupção, uma das bandeiras que o levaram ao comando do Poder Executivo.

Em entrevista ao Valor, Waldir afirmou que Fabrício Queiroz, ex-policial militar e ex-assessor do hoje senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), fingiu estar doente, mas continuou agindo ilicitamente. Reportagem do jornal “O Globo” revelou áudio no qual Queiroz dava orientações sobre indicações políticas para cargos comissionados no Congresso Nacional. A gravação teria sido feita, de acordo com a publicação, em junho - oito meses após a exoneração do ex-assessor.

“Em nenhum momento a rachadinha parou. Ele [Queiroz] continuou agindo. Fingiu uma doença e continuou”, disse Waldir. “Ele continuou a fazer no Senado o que já fazia na Assembleia do Rio. São crimes graves que tem que ser apurados.”

Sobre a representação protocolada na Executiva Nacional do partido, que solicita a expulsão de Eduardo, filho do presidente e atualmente líder da legenda na Câmara, o deputado Delegado Waldir afirmou que a iniciativa é justa. “Se o presidente pediu a expulsão do [deputado Alexandre] Frota, nada mais justo que cinco parlamentares peçam a expulsão de alguém que cometeu infidelidade partidária e que causou vários problemas internos”, argumentou.

Waldir atribuiu a vitória de Eduardo na disputa pela liderança a um esquema de influência que envolveria o próprio presidente Jair Bolsonaro, ministro e emendas parlamentares. Ele disse que deputados da ala bolsonarista “sempre tiveram prioridade” na distribuição dessas verbas orçamentárias.

Além do recurso à Justiça para derrubar a liminar que impediu o partido de suspender as atividades de 19 parlamentares do grupo alinhado a Bolsonaro, os bivaristas apresentarão na próxima semana representação por quebra de decoro contra seis deputados no Conselho de Ética da Câmara. Os alvos são Alê Silva (PSL-MG), Bibo Nunes (PSL-RS), Carla Zambelli (PSL-SP), Carlos Jordy (PSL-RJ), Daniel Silveira (PSL-RJ) e Filipe Barros (PSL-RJ).

Waldir não vê chances de o grupo bivarista se reaproximar da ala ligada a Bolsonaro. “Não adianta tapar o sol com a peneira, o presidente Bolsonaro está desalinhado do combate à corrupção”, afirmou. “Queremos distância. Na eleição, venderam gato por lebre. Não posso continuar apoiando governo que abandona proposta da campanha e privilegia a família. A velha política voltou com roupa nova. Retornou com força total, junto com o tomá lá, dá cá”, destacou Waldir, acrescentando que o sucesso da reforma da Previdência não foi fruto de boa articulação. “Ninguém aprovou a reforma da Previdência por causa dos olhos do presidente. É só observar: houve milhões de recursos e emendas.”

 

_______________________________________________________________________________________________________________________

 

Cúpula do PSL quer incorporar partidos nanicos


PSL planeja expulsar deputados e reter mandatos; cúpula estuda incorporação de partidos nanicos para manter segunda maior bancada


Por Andrea Jubé e Marcelo Ribeiro 

Sem clima de entendimento com o grupo do presidente Jair Bolsonaro, a cúpula do PSL trabalha com o cenário de expulsão dos dissidentes, mas de retenção dos mandatos. O esforço do partido será para se manter a segunda maior bancada da Câmara. Em paralelo, após as conversas iniciais sobre a fusão com o DEM, lideranças do PSL agora articulam a incorporação de legendas menores.

O objetivo desses movimentos, segundo integrantes do partido, é transformar o PSL “em um dos maiores partidos de centro-direita do país” sob a liderança política de Luciano Bivar, que deverá ser reconduzido ao comando da sigla na convenção nacional convocada para novembro. Os bivaristas enxergam Bolsonaro fora da legenda até o fim do ano, porque aliados do presidente que até hoje presidem diretórios estaduais perderão seus postos nesta convenção.

Interlocutores de Bivar dizem que a estratégia agora é viabilizar a incorporação de duas legendas menores de olho na expansão da sigla, que encolherá. Eles não revelam com quais siglas estão dialogando para não comprometer a articulação. Para fins eleitorais, a diferença é que a eventual fusão com o DEM abriria a janela partidária, permitindo o ingresso de deputados descontentes com seus partidos, como dissidentes do PDT e PSB que votaram a favor da reforma da Previdência, e foram punidos com a suspensão de prerrogativas parlamentares. A janela autoriza a mudança de partido sem perda do mandato e dos recursos do fundo partidário.

A incorporação de outros partidos ao PSL não permite essa brecha para mudança de legenda, mas propiciará a expansão do partido, em vias de perder o presidente da República e pelo menos 20 deputados leais a Bolsonaro.

Um dos trunfos de Bivar, segundo aliados, seria uma pesquisa qualitativa que ele tem em mãos atestando a consolidação da marca PSL, mesmo sem Bolsonaro. Conforme essa sondagem, o PSL é o segundo partido com o qual os brasileiros mais se identificam, depois do PT. Em pesquisas anteriores, esse segundo lugar já foi do MDB.

Uma outra pesquisa sobre interação em redes sociais indicaria relativa perda de força de Bolsonaro no seu principal reduto. Ele manteria 15% de seguidores fieis, enquanto o mesmo percentual caberia à esquerda. Um centro formado por 70% dos internautas não estaria comprometido com nenhum dos lados. Esse núcleo teria sido decisivo no desfecho das eleições de 2018 e tem sido disputado pelos partidos de centro.

Outra percepção do entorno de Bivar é de que Bolsonaro perdeu discursos que impulsionaram sua candidatura como as bandeiras do combate à corrupção e da meritocracia. Depois da posse, vieram à tona denúncias que obrigaram o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) a se explicar à Justiça do Rio de Janeiro. Em outra frente, a retórica de valorização de quadros técnicos virou água após a indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ) para assumir a embaixada do Brasil nos Estados Unidos.

Os aliados de Bivar contabilizam 20 deputados fieis a Bolsonaro. Entre os 28 que endossaram a lista para que Eduardo se tornasse líder da bancada, há quem alegue que uma fatia se sentiu coagida a fazê-lo, sob risco de retaliação do Planalto. Dessa forma, bivaristas avaliam que dos 53 da bancada, pelo menos 33 devem ficar no partido.

Parlamentares do PSL alinhados com Bivar protocolaram ontem, em cartório, um pedido de expulsão do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que assumiu a liderança da sigla na Câmara no início desta semana. No mesmo documento, eles pedem a destituição da direção estadual do partido em São Paulo, comandando pelo filho do presidente Jair.

A representação é assinada pelo líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), e pelos deputados Joice Hasselmann (PSL-SP), Junior Bozzella (PSL-SP), Coronel Tadeu (PSL-SP) e Abou Anni (PSL-SP). O pedido é direcionado a Bivar e ao conselho de ética da legenda, que foi escolhido em uma reunião do diretório nacional na terça-feira.