Valor Econômico, v.20, n. 4866, 25/10/2019. Política p.A9

 

Lula seria libertado, mas Cabral e Cunha seguiriam presos


Condenados em segunda instância com prisões preventivas decretadas seguirão encarcerados


Por André Guilherme Vieira 

Se o Supremo Tribunal Federal (STF) de fato reverter o próprio entendimento firmado em 2016 sobre o início da execução de pena em regime fechado após decisão colegiada em segunda instância, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva será um dos réus célebres da Operação Lava-Jato imediatamente beneficiados pela modificação. Suspenso no final da tarde de ontem, o julgamento no STF será retomado só em novembro.

A atual jurisprudência do Supremo prevê o início do cumprimento de pena em regime fechado antes de esgotados os recursos nos tribunais superiores. A revisão dessa posição pela Corte colocaria na rua 4.895 condenados com pena de prisão decretada depois de terem confirmadas a condenação em segundo grau, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle do Poder Judiciário

Na hipótese de mudança desse entendimento, Lula deixará a prisão para aguardar em liberdade o trânsito em julgado da ação penal a que responde por corrupção e lavagem de dinheiro. O petista foi condenado pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) por ter recebido propina da construtora OAS, materializada na reforma e reserva de um tríplex no Guarujá (SP).

Mas se de fato o STF voltar atrás em sua posição sobre o ponto de partida para o cumprimento de pena de prisão, a decisão não se estenderá imediatamente para todos os condenados criminalmente em segunda instância.

É o caso do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (MDB), recordista de processos decorrentes da Lava-Jato, que acumula 30 ações penais por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro praticados durante sua gestão e também fora do cargo público, segundo o Ministério Público Federal (MPF). Cabral ainda tem pendente uma prisão preventiva decretada em uma das dezenas de investigações das quais foi alvo.

“Réus que se encontram encarcerados em razão da decretação de suas prisões preventivas não serão libertados. Essa decisão motivará somente a liberação daqueles que foram presos sem razão concreta, apenas porque seus processos já foram julgados em segunda instância”, afirmou ao Valor o criminalista Sérgio Rosenthal.

É a mesma situação do ex-presidente da Câmara dos Deputados e ex-parlamentar Eduardo Cunha (MDB-RJ), que responde a um total de 10 ações penais.

Cunha é réu em quatro ações penais decorrentes da Operação Cui Bono e uma da Sépsis; foi condenado na Justiça Federal do Paraná na ação sobre a compra, pela Petrobras, de um campo de petróleo seco, na África; é réu na ação das sondas, que aguarda sentença da 13ª Vara Federal de Curitiba; e ainda responde a duas ações desdobradas da Operação Lavat, na Justiça de Natal e a outra conhecida como ‘quadrilhão do PMDB”, que tramita na Justiça de Brasília.

Além desses processos, Cunha têm ativas três prisões preventivas decretadas a pedido do Ministério Público: duas da Operação Sépsis e uma da Operação Lavat.

“Sem dúvida alguma, a consequência natural do julgamento do STF, caso mantida essa tendência, é a soltura imediata daqueles que estão presos exclusivamente por força de acórdão condenatório”, avalia o advogado Daniel Gerber.

Na opinião do criminalista Pierpaolo Cruz Bottini, em se confirmando a reversão do entendimento do STF sobre quando se dá o começo da execução do regime fechado de prisão, a Corte estará cumprindo a atribuição prevista na Constituição. “O STF é o guardião da Constituição, e ela fala em execução da pena apenas após o trânsito em julgado da sentença. Não há meias palavras ou imprecisão no texto constitucional”, afirma.

 

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Antes de proferir voto, Toffoli coloca água no chope dos petistas


Declaração de Toffoli suscita dúvidas sobre resultado do STF contra prisão em segunda instância


Por Andrea Jubé

Embora o voto proferido ontem pela ministra Rosa Weber, contrário à prisão em segunda instância, tenha soado como prenúncio da conclusão do julgamento neste sentido, a declaração do presidente do STF, Dias Toffoli, após o encerramento da sessão jogou água no chope de quem comemorava antes da hora.

Quem contava com o placar de 6 x 5 preconizado pelo relator dos processos, ministro Marco Aurélio, pode rever a aposta. A principal consequência política da confirmação desse placar seria a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um dos 4.895 presos que se beneficiariam da nova jurisprudência, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Mas esse resultado depende da reedição do voto do ministro Dias Toffoli contrário à execução antecipada da pena, nos termos de sua manifestação no julgamento anterior em 2016. Embora Toffoli sustente uma alternativa intermediária, autorizando a detenção após a análise do Superior Tribunal de Justiça, em linhas gerais ele é - ou era? - contrário à prisão em segunda instância.

Ontem Toffoli surpreendeu ao ressaltar que na presidência da Corte ele poderá ter outro entendimento, em razão da “responsabilidade da cadeira presidencial”. Certamente calculada, a declaração pode ser uma aposta do ministro para calibrar a tensão social até o fim do julgamento. No entanto, se efetivamente antecipar uma mudança de entendimento, enterrará os sonhos de petistas e aliados de Lula que contavam com ele rodando o país como cabo eleitoral das eleições de 2020.

Apesar da prisão, Lula continua sendo a maior liderança política da esquerda e de oposição ao presidente Jair Bolsonaro. Adversários políticos, entretanto, veem com ressalvas sua força eleitoral nas regiões Sul e Centro-Oeste, mas reconhecem a hegemonia lulista no Nordeste.

Para aliados e apoiadores de Bolsonaro, no limite, a libertação de Lula pode levar ao caos social. Durante a viagem ao Japão, Bolsonaro expôs esse receio, embora sem aludir expressamente ao julgamento no STF. O presidente disse que as Forças Armadas devem estar preparadas para o caso de manifestações como as do Chile: “Não podemos ser surpreendidos, temos que ter a capacidade de nos antecipar a problemas”.

Até a retomada do julgamento, Dias Toffoli vai medir o pulso da sociedade e costurar uma modulação do voto de Marco Aurélio, que propôs soltura imediata dos presos favorecidos pela decisão. Rosa Weber já ressaltou que tem divergências quanto aos comandos do voto de Marco Aurélio.

Alvo de ataques nas redes pela retomada de seu entendimento original contra a prisão em segunda instância, Rosa Weber apontou a divulgação de números irreais sobre o alcance da mudança de jurisprudência e fez uma crítica velada ao terrorismo social decorrente do julgamento. Encerrou o voto com poesia do grego Konstantínos Kaváfis (1863-1933), que questiona o temor ante um inimigo imaginário. No poema, os cidadãos esperam os bárbaros que não chegarão nunca, o que gera frustração. “Sem bárbaros o que será de nós? Ah! eles eram a solução”.