Valor Econômico, v. 20, n. 4901, 14/12/2019. Legislação e Tributos, p.E2
 

Impactos da nova instrução da Receita
 Kiyoshi Harada

 

A Instrução Normativa de nº 1.911, de 15 de outubro de 2019, da Receita Federal do Brasil regulamenta a apuração, a cobrança, a fiscalização, a arrecadação e a administração da contribuição para o PIS-Pasep/Cofins e da contribuição para o PIS-Pasep/Cofins- Importação.

Foi baixada com o fim de simplificar a legislação tributária concernente a esses tributos e facilitar a sua operacionalização. Além de tornar mais complexa e confusa a legislação do PIS/Cofins, a IN tem elevado grau de potencialmente provocar demandas judiciais.

Ocorre que a norma contém 766 artigos, além de 30 anexos, sendo certo que revoga 52 instruções normativas.

Para se ter uma ideia de sua complexidade basta lembrar que o Código Tributário Nacional (CTN), Lei nº 5.172, de 1966, que traça normas gerais de Direito Tributário, regula as limitações constitucionais do poder de tributar, dirime conflitos de competência tributária e disciplina 11 dos 13 impostos previstos na Constituição Federal, contém apenas 218 artigos.

A complexidade da legislação tributária não está na quantidade de tributos como supõem os autores da reforma tributária em discussão no Congresso Nacional, que fundem tributos de espécies diferentes e pertencentes a entidades políticas igualmente diferentes, para formar o famigerado IBS, uma versão piorada do IVA europeu.

Basta um único tributo do tipo PIS-Cofins para espalhar o terror entre os contribuintes.

Para complicar esses dois tributos, o legislador estabeleceu as contribuições cumulativas, com a alíquota de 3%, e o PIS-Cofins não cumulativo com a alíquota de 7,6%. Só que não obedeceu a mesma sistemática de não cumulatividade do ICMS já assimilada pelos contribuintes. Inventou-se um complicado sistema de base sobre base em que o volúvel  conceito de insumos, a serem abatidos da sua base de cálculo, tornou-se o foco principal da insegurança jurídica e da consequente demanda judicial que vem emperrando o Poder Judiciário.

Era de se esperar a IN da RFB de nº 1.911/19 deitasse luzes sobre os tortuosos caminhos da legislação tributária do PIS-Cofins. Mas ao contrário, a instrução complicou ainda mais e plantou a semente da multiplicação de demandas judiciais em potencial.

Em relação à base de cálculo dos tributos, a IN sob comento dedica, nada menos, que 32 artigos (arts. 26 a 61) com inúmeros parágrafos, incisos e alíneas que se perdem no cipoal de normas difusas e confusas. Peca tanto pelo excesso de dispositivos, como também, pela contrariedade à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e pela omissão.

Realmente, dispondo sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS-Cofins, determina apenas a exclusão do ICMS devido no mês, e não daquele destacado na nota fiscal como entendeu o STF (RE nº 474.706-RG PR, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 17-3-2017).

Na realidade, deveria ser excluído da base de cálculo do PIS/Cofins o ICMS embutido no preço da mercadoria, embora bastante trabalhoso por envolver necessidade de seu cálculo por dentro.

Outrossim, a IN sob exame é completamente omissa quanto à dedução do valor da própria contribuição social da sua base de cálculo, não respeitando aqueles contribuintes que têm a seu favor coisa julgada nesse sentido, ou ainda, uma medida liminar que assegure esse direito. E nada dispõe, também, acerca da exclusão do ICMS da base de cálculo da contribuição previdenciária sobre a receita bruta.

Finalmente, veda arbitrariamente o crédito do PIS/Cofins no ICMS-ST. Sobre as alíquotas a IN sob análise dedica os artigos 62 até 101, onde são contempladas inúmeras hipóteses de redução de alíquotas a zero, elaboradas com requintes de inusitado sabor burocrático. Imagina-se, como é possível tantas alíquotas diferenciadas para tão poucos tributos. E o art. 258 volta à questão das alíquotas do PIS/Cofins descrevendo quase uma página inteira de códigos de atividades (TIP) que só se consegue identificá-los com auxílio de uma lupa.

Inúmeros artigos versam sobre a base de cálculo das contribuições sociais do PIS/COFINS (artigos 171 a 230).

Elenca diferentes deduções para “n” hipóteses especificadas. A dedução dos insumos utilizados é a principal dedução. O insumo é definido como “bens e serviços considerados essenciais ou relevantes, que integram o processo de produção ou fabricação de bens destinados à venda ou de prestação de serviços”. Adotou-se, portanto, o conceito utilizado pela legislação do IPI e aceito pela jurisprudência do STJ que afastou o conceito dado pelas Instruções Normativas números 247/02 e 404/04 da SRF por implicar intensa restrição conceitual (REsp nº 1.221.170/PR, Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em caráter repetitivo, DJe 24-4-2018).

Após definir o que são insumos a IN em questão enumera esses insumos nos incisos I a X, do § 1º do art. 172, dando caráter de taxativo. O que é pior, o seu § 2º exclui do conceito de insumos, “entre outros”, os bens e materiais enumerados nos itens I a VIII, conferindo caráter de exemplificatividade.

A tripla confusão é patente: primeiro define o que são insumos; depois enumera os insumos contidos na definição, e finalmente excluem do conceito de insumos os materiais, dentre outros, especificados. Deixou-se uma margem de manobra para ir incluindo outras hipóteses de exclusão do conceito de insumos.  E assim, essa IN poderá ser alterada no curso do tempo.

Concluindo, além de tornar mais complexa e mais confusa a legislação do PIS/Cofins, a Instrução Normativa sob comento tem um elevado grau de potencialmente provocar inúmeras demandas judiciais.

A epidemia de normas de que falava o mestre Ruy Barbosa Nogueira na década de 80 está mais do presente nos dias atuais.