Valor Econômico, v.20, n. 4866, 25/10/2019. Brasil p.A6

 

Desembolso do BNDES ficará abaixo de 1% do PIB


Consultoria projeta o menor participação do banco desde início da série histórica


Por Bruno Villas Bôas e Alessandra Saraiva

Pela primeira vez desde a implementação do Plano Real, os desembolsos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vão encerrar um ano correspondendo a menos de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, mostram cálculos da consultoria Inter.B, realizados a pedido do Valor.

Com os reflexos da crise econômica e da política do governo federal de reduzir a papel dos bancos públicos na concessão de crédito, os desembolsos do BNDES devem somar cerca de R$ 60 bilhões ao fim deste ano, ou algo um pouco abaixo disso, segundo estimativa do próprio banco de desenvolvimento.

Se confirmada a previsão, as liberações vão equivaler a 0,85% do PIB deste ano, projetado em R$ 7,12 trilhões pela consultoria, valor que considera um avanço de 0,9% da atividade econômica.

Desde 1995, início da série histórica disponibilizada pelo BNDES, essa proporção roda acima de 1% do PIB. Na média histórica, o indicador foi de 2,3%.

Os números mostram que o auge da política de financiamento do banco foi em 2010, quando os desembolsos corresponderam a 4,33% do PIB. Naquele ano, o BNDES participou da megacapitalização da Petrobras, em setembro, e tornou-se símbolo da política econômica do governo Luiz Inácio Lula da Silva.

Segundo Claudio Frischtak, diretor da Inter.B Consultoria, o novo patamar de desembolsos simboliza o reposicionamento do banco, cada vez menor e focado no crédito à infraestrutura e às micro e pequenas empresas, além do apoio aos processos de privatização. Para ele, o BNDES em breve precisará ser avaliado por novas métricas.

“A métrica para avaliar a importância do BNDES deixará de ser, com o tempo, o tamanho de seus desembolsos. Sua métrica de desempenho passará a ser o retorno dos investimentos para a sociedade”, afirmou Frischtak, para quem o novo papel do banco será relevante em áreas como mobilidade urbana.

Dados divulgados ontem pelo BNDES mostram que o processo de enxugamento segue em curso. O boletim de desempenho mostra uma proliferação de taxas negativas. Os desembolsos acumularam R$ 64,7 bilhões em 12 meses até setembro deste ano, 4% abaixo do mesmo período do ano passado e menor patamar desde 2000 (R$ 62,465 bilhões).

Já as consultas de empréstimo - primeira etapa do processo de financiamento na instituição - acumulam R$ 60,363 bilhões em 12 meses até setembro deste ano, 44% a menos do que no mesmo período de 2018. Esse patamar é o menor, para essa série a preços constantes, desde dezembro de 1995 (R$ 71,674 bilhões).

Para Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), a demanda por financiamento cai porque as condições de crédito do banco estariam incompatíveis. “Uma coisa é o banco estar menos disposto a fazer operação, outra é deixá-la mais cara do que linhas de captação do mercado”, afirma Cagnin.

Segundo ele, o custo mais elevado do BNDES seria uma das razões para o aumento da demanda por pré-pagamento de dívidas no banco. Essas operações tornaram-se mais comuns no banco com a queda da taxa básica de juros da economia, atualmente no menor nível histórico. Em 2018, foram cerca de R$ 30 bilhões de pré-pagamentos.

O superintendente de Planejamento do BNDES, Pedro Iootty, negou, porém, que a taxa de financiamento da instituição não seja mais competitiva. “Não é verdade absoluta que não estamos competitivos. A TLP (Taxa de Longo Prazo) é competitiva”, disse o superintendente, ao comentar o boletim de desempenho.

Segundo ele, o banco está olhando a longo prazo. “Temos um papel importante na estruturação de projetos, que chamamos de ‘fábrica de projetos’, que vão impactar mais à frente a performance do banco”, disse.

Iootty acrescentou que os desembolsos devem fechar o ano em R$ 60 bilhões ou pouco abaixo disso. “No fim de ano geralmente temos performance maior. Temos corrida para fechar operações, porque as empresas têm os planos de investimentos delas e querem aproveitar a janela”, disse o superintendente.

No terceiro trimestre deste ano, os desembolsos do BNDES somaram R$ 12,8 bilhões. O valor é até 20% maior que o registrado nos três meses anteriores, mas situa-se no menor nível para terceiro trimestre desde 1996 (R$ 9,01 bilhões), segundo ano do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso.

Esse avanço do terceiro trimestre, considerado pontual, foi puxado pelos maiores desembolsos para os setores de energia elétrica e agronegócio. Neste último caso, o início da fase de plantio da safra agrícola pode ter contribuído para a maior demanda por crédito para aquisição de máquinas e equipamentos.

 

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Piora do saldo comercial ajuda a elevar déficit externo


Buraco na conta corrente aumentou pelo sexto mês seguido e chegou a US$ 37,435 bilhões em setembro


Por Estevão Taiar e Alex Ribeiro

Puxadas principalmente pela balança comercial, as contas externas do Brasil voltaram a piorar em setembro, embora ainda sigam em patamares confortáveis. Dados divulgados ontem pelo Banco Central (BC) mostram que o déficit em conta corrente acumulado em 12 meses atingiu US$ 37,435 bilhões no mês passado. Foi a sexta alta consecutiva nesse tipo de comparação. Em fevereiro, o saldo era negativo em US$ 22,875 bilhões. Em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), o déficit passou de 1,23% para 2,05% no período.

Em seu mais recente Relatório Trimestral de Inflação (RTI), divulgado no fim de setembro, o BC já havia elevado a sua própria projeção para o saldo negativo em transações correntes, de US$ 19,3 bilhões (1% do PIB) para US$ 36,3 bilhões (2% do PIB).

O déficit em conta corrente é um dos principais indicadores de vulnerabilidade externa de uma economia. Quando, em suas transações com o resto do mundo, um país tem gastos maiores do que suas receitas, ele é obrigado a atrair investimentos ou tomar empréstimos para cobrir a diferença.

Economistas têm chamado a atenção recentemente para os impactos negativos que incertezas no cenário externo, como a disputa comercial entre Estados Unidos e China e a desaceleração global, podem ter sobre o comércio internacional como um todo. Isso influenciaria negativamente as exportações brasileiras, por exemplo. Outro ponto é que, com a economia brasileira ganhando alguma força, ainda que modesta, a tendência é que o país aumente as suas importações. Assim, ambos os movimentos ajudariam a elevar o déficit em conta corrente.

Em contraste com o crescimento recente do déficit, o Investimento Direto no País (IDP) vem se mantendo em grande medida estável nos últimos meses. No acumulado em 12 meses, ficou em US$ 70,4 bilhões em setembro - pouco abaixo da média do ano (US$ 72,4 bilhões). Por ser menos sujeito a fuga e crises internacionais, o IDP é considerado uma fonte mais estável de financiamento externo. Em relação ao PIB, o indicador ficou em 3,85% no mês passado. Ou seja: mais do que suficiente para financiar o déficit de 2,05% do PIB.

Dessa maneira, mesmo como crescimento do saldo negativo em transações correntes, a equipe econômica do banco MUFG Brasil classifica a situação como “favorável”. A instituição financeira projeta que as transações em conta corrente ficarão negativas em US$ 40 bilhões em 2019. “Para o próximo ano, esperamos um déficit em conta corrente ligeiramente superior a US$ 45 bilhões, influenciado pela aceleração do crescimento econômico”, diz em relatório.

Por sua vez, o IDP deve ficar em US$ 75 bilhões em 2019 e US$ 80 bilhões em 2020, na estimativa do banco. A tendência é que o resultado do ano que vem seja influenciado tanto por melhores perspectivas econômicas quanto por investimentos estrangeiros em privatizações e concessões.

A 4E Consultoria segue na mesma linha e afirma que o cenário das contas externas é “absolutamente tranquilo”. Também diz que o quadro “não deve mudar no médio prazo, mesmo que se materialize um cenário mais pessimista, de ausência de reformas adicionais após a Previdência”.

Ainda assim, no acumulado de janeiro até setembro, o déficit em conta corrente quase dobrou em relação ao mesmo período do ano passado. O saldo negativo variou de US$ 18,6 bilhões nos nove primeiros meses de 2018 para US$ 34,1 bilhões neste ano. Mais uma vez, a balança comercial influenciou o resultado, com o superávit recuando de US$ 38,1 bilhões para US$ 28,6 bilhões.

Levando em conta apenas setembro, o déficit foi de US$ 3,847 bilhões - crescimento na comparação com os US$ 194 milhões registrados no mesmo mês do ano passado. A balança comercial respondeu pela maior parte da alta, com o superávit caindo de US$ 4,7 bilhões para US$ 1,7 bilhão. Houve recuo de US$ 411 milhões das exportações, enquanto as importações cresceram US$ 2,606 bilhões.

Para outubro, a estimativa do BC é que o déficit em conta corrente seja de US$ 5,8 bilhões. Caso a projeção se confirme, o saldo será dez vezes maior do que o do no ano passado, quando o resultado foi de US$ 540 milhões.

 

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PEC vai prever ‘estado de emergência fiscal’


Proposta permitirá acionar automaticamente medidas de cortes de gastos quando houver risco de descumprimento da “regra de ouro” ou do teto de gastos


Por Lu Aiko Otta 

O governo quer propor a criação do “estado de emergência fiscal”, que permitirá acionar automaticamente medidas de cortes de gastos quando houver risco de descumprimento da “regra de ouro” ou do teto de gastos.

A proposta vai integrar o conjunto de três Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que comporá o novo pacto federativo, informou ontem o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida.

“O conjunto de regras ainda vai ser debatido com o Congresso, para ver o que será aceito ou não”, afirmou Mansueto.

A regra do teto dos gastos já contempla várias medidas para reduzir despesas e reequilibrar o Orçamento. “Só que não ficou claro em que momento o mecanismo dispara”, explicou o secretário. Numa interpretação rigorosa, esses gatilhos para corte de gastos só poderiam ser acionados quando os recursos para despesas discricionárias estivessem reduzidos a zero. Mas essa é uma situação que não ocorrerá na prática, pois é impossível cortar gastos a partir de um determinado ponto.

“A PEC emergencial vai consertar isso”, disse Mansueto. “Vai dizer em que momento os gatilhos do teto de gastos disparam e quais as medidas emergenciais a serem adotadas.”

O governo já vem, na prática, utilizando alguns desses gatilhos, informou o secretário. Por exemplo: não vai conceder reajustes salariais em 2020. Tampouco serão autorizados concursos públicos. Mas poderá propor, por exemplo, a redução obrigatória de jornada e salários do funcionalismo.

A proposta deverá ser incluída na PEC que tratará dos gatilhos para cumprimento da “regra de ouro”. Já existe uma proposta em tramitação na Câmara, de autoria do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ). Mas é possível que o Executivo elabore sua proposta própria e a entregue a algum senador, para que a matéria comece a tramitar por aquela casa.

O pacto federativo abrange um conjunto mais amplo de medidas. Vai, por exemplo, descentralizar recursos federais.

Mansueto disse que hoje as receitas geradas pela exploração do petróleo são entregues aos Estados produtores e à União. A intenção é distribuir parte da fatia destinada ao governo federal para os Estados que não são produtores.

Elas contemplam também a desindexação de gastos. Segundo Mansueto, 60% das despesas do Orçamento federal têm valores corrigidos automaticamente. “O programa mais bem avaliado do governo, o Bolsa Família, não é indexado”, afirmou. Já os demais, que são indexados, não necessariamente atendem à população de maneira satisfatória.

Ele não avançou, porém, se o governo proporá a desindexação dos gastos com saúde e educação. “Não está decidido.”