O Globo, n. 32635, 13/12/2022. Política, p. 4

De papel passado

Alice Cravo
Mariana Muniz
Jeniffer Gularte
Bruno Góes
Sérgio Roxo
Daniel Gullino


A diplomação do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, e do seu vice, Geraldo Alckmin, realizada ontem no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foi marcada por discursos enfáticos em defesa da democracia e pelo tom emocional do diplomado. A cerimônia oficializou o resultado das eleições de outubro e é a última etapa antes da posse, no dia 1º de janeiro.

Ao discursar aos cerca de 300 convidados que lotaram o plenário do TSE, Lula afirmou que o povo “reconquistou o direito de viver em democracia”. afirma que Sem citar nominalmente o presidente Jair Bolsonaro ou seus apoiadores, o petista fez uma fala direcionada a defender o processo eleitoral brasileiro, criticando os ataques às instituições. Ele elogiou a atuação das cortes superiores e também fez referência às urnas eletrônicas — repetindo o que havia feito na sua primeira diplomação, em 2002.

Logo ao começar a falar, Lula chorou ao lembrar do mesmo evento, há vinte anos. Tanto no discurso que fez na cerimônia da época quanto na de ontem, afirmou que por muitas vezes foi questionado por não ter um diploma de nível superior, mas que agora possui um de presidente da República.

— Peço desculpas a vocês pela emoção, porque quem passou o que eu passei nos meus últimos anos, estar aqui agora é a certeza de que Deus existe. Sei o quanto custou.

O período na prisão também foi lembrado pelo público, que o recebeu no plenário com um “boa tarde, presidente Lula”. A frase, entoada por aliados do petista presentes ao evento, remete aos 580 dias em que ficou enclausurado na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba e era saudado por apoiadores acampados em um terreno ao lado. O petista já contou que, da cela, conseguia ouvir as saudações.

O discurso de Lula teve uma série de ataques velados a Bolsonaro. O presidente eleito afirmou que “poucas vezes na história recente” do país a democracia esteve “tão ameaçada” e elogiou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) pela atuação n a campanha.

— Além da sabedoria do povo brasileiro, que escolheu o amor em vez do ódio, a verdade em vez da mentira e a democracia em vez do arbítrio, quero destacar a coragem do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, que enfrentaram toda sorte de ofensas, ameaças e agressões para fazer valer a soberania do voto popular.

Lula ainda afirmou que os “inimigos da democracia” questionaram o sistema eleitoral, ameaçaram instituições e “criaram obstáculos de última hora para que eleitores fossem impedidos de chegar a seus locais de votação”. A declaração se refere às mais de 500 blitzes feitas pela Polícia Rodoviária Federal no dia 30 de outubro, domingo do segundo turno, que foram apontadas como uma tentativa de dificultar que eleitores chegassem aos locais de votação. A Polícia Federal e o Ministério Público Federal apuram se as operações tiveram como intenção favorecer Bolsonaro, uma vez que metade foi realizada no Nordeste, reduto eleitoral do petista.

Ausências marcantes

Embora a cerimônia de diplomação estivesse lotada, algumas ausências chamaram a atenção dos presentes, como a da senadora Simone Tebet (MDB-MS). Ex-candidata à Presidência, ela foi convidada pela equipe de Lula, mas, segundo assessores, estava em um evento da bancada emedebista no Mato Grosso do Sul.

A emedebista é uma das cotadas a assumir o futuro Ministério de Desenvolvimento Social, assim como a ex-ministra Tereza Campello, que comandou a pasta durante o governo Dilma Rousseff. Apesar da confiança de Lula, integrantes da direção petista fazem forte resistência a entregar o ministério a ela.

O principal motivo é que, na visão deles, não faz sentido dar a coordenação de programas sociais de forte apelo eleitoral a uma possível adversária, em 2026. Lula já avisou que não pretende disputar a reeleição e o PT já tem dois nomes como presidenciáveis —os futuros ministros da Casa Civil, Rui Costa, e da Economia, Fernando Haddad.

Os ministros do STF André Mendonça, Nunes Marques e Luiz Fux também não foram. Os dois primeiros são os indicados por Bolsonaro ao tribunal. Questionada pelo GLOBO, a assessoria de imprensa do STF informou que Mendonça não compareceu porque estava em seu gabinete no momento da diplomação. Quanto à ausência de Nunes Marques, o tribunal afirmou que não tinha informação a respeito da sua agenda ou a causa da ausência. De acordo com a assessoria de imprensa do STF, Fux estava em trânsito do Rio para Brasília.