Valor Econômico, v.20, n. 4869, 30/10/2019. Brasil p.A3

 

Novo plano tem como pilar contenção do gasto público


Estados e municípios terão ajuda, mas deverão conter despesa

Por Vandson Lima, Renan Truffi e Lu Aiko Otta

O pacote de medidas que será anunciado hoje é uma segunda rodada no torniquete para conter a expansão do gasto público, depois da reforma da Previdência Social. Um dos seus pilares é o socorro a Estados e municípios, que vão receber parte relevante das receitas do pré-sal, mas, em contrapartida, não terão mais os mecanismos de ajuda financeira da União caso mergulhem uma vez mais na irresponsabilidade fiscal. Trata-se, segundo o governo, da maior mudança estrutural nas contas públicas desde a Lei de Responsabilidade Fiscal.

São cinco os seus pilares: a PEC da Emergência Fiscal vai definir sob que circunstâncias serão disparados “gatilhos” que permitirão cortes automáticos nos gastos obrigatórios. A do pacto federativo vai distribuir os recursos do pré-sal entre a União, os Estados e os municípios. A segunda PEC do pacto federativo, que trata da reforma do Orçamento, trará os três D (desvinculação, desindexação e desobrigação) e deverá acabar com a vinculação de cerca de 280 fundos setoriais. Há, ainda, medidas de ajuda aos Estados e municípios e a PEC da reforma administrativa, que deverá acabar com a estabilidade e redefinir os salários de ingresso no setor público para os novos servidores. Os atuais funcionários não terão mudanças nos seus contratos. Esta última não será necessariamente anunciada hoje.

As duas PECs do pacto federativo não chegarão ao Congresso Nacional como iniciativas do Executivo, mas dos líderes do governo no Senado e no Congresso, Fernando Bezerra (MDB-PE) e Eduardo Gomes (MDB-TO), apurou o Valor.

A da emergência fiscal é uma matéria na mesma linha da PEC 438, chamada de PEC da Regra de Ouro, de autoria do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), em tramitação na Câmara. Ambas definirão os gatilhos que serão acionados em caso de iminência de estouro do teto de gastos e da “regra de ouro”.

Os textos das propostas do pacto federativo foram construídos em uma parceria entre o governo e os parlamentares. Os últimos detalhes foram alinhados ontem.

Para o senador Bezerra, que será responsável por protocolar parte das propostas no Congresso Nacional, este “será um novo marco legal para o pacto federativo brasileiro, a nova ordem fiscal do Brasil”.

O pacote será anunciado hoje nas presenças do ministro da Economia, Paulo Guedes, e dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

O líder do governo no Senado disse ontem que o pacote trará “uma série de novidades. Destaco a sequência da partilha de recursos com Estados e municípios. Vai surpreender o volume de partilhas a serem feitas com Estados e municípios. Não vou avançar no número, o Paulo Guedes vai trazer amanhã”.

Se o volume de recursos distribuídos será maior, as possibilidades de socorro da União serão bem restritas. “Dentro desse entendimento, de diminuir a judicialização de Estados com a União, também criando mecanismos de autonomia dos entes federativos, para que a União fique liberada. Hoje, muitas vezes, a gestão fiscal é imprudente, porque sempre os gestores acham que terão a União para resgatar. A grande novidade é que agora cada um cuida de si”, apontou Bezerra.

“Amanhã [hoje] é um pacote completo, uma coisa muito estruturada. Vocês vão ver. Vai surpreender de forma positiva, vai caminhar em relação à desvinculação, desindexação, desobrigação, em um Conselho Fiscal da República, com presença de todos os poderes, para não estar o Judiciário tomando decisões que impliquem desequilíbrio fiscal”, adiantou o líder.

Sobre a reforma tributária, Bezerra disse que esta também é uma prioridade de Guedes, mas que se pretende tomar outro caminho, com a criação de uma comissão especial mista, de senadores e deputados, que trabalhará na matéria até o fim do ano. A reforma tributária também faz parte das medidas que o governo quer avançar nessa nova fase pós-Previdência. Alcolumbre pediu a Bezerra “um tempo” para convencer os senadores.

Por fim, Bezerra disse ainda que até o fim da tarde de ontem não havia definições mais detalhadas sobre a PEC “emergencial” para cortar gastos obrigatórios e abrir espaço para aumentar os investimentos. A discussão é se esta poderia começar a tramitação pela Câmara.

A desvinculação de recursos dos 280 fundos ajudaria a elevar os gastos discricionários do governo, conforme informou o Valor no último dia 25. Na semana passada, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, informou que o saldo financeiro deles é de R$ 224 bilhões. No entanto, ele explicou que uma boa parte desse dinheiro “já se perdeu”, porque foi contabilizada como receita primária no passado. Dessa forma, não pode ser mais utilizado.

 

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Julgamento do STF sobre PIS/Cofins cria pressão por reforma tributária


Resultado deve levar a redução da base de incidência dos dois tributos


Por Fabio Graner 

Apesar de ter ficado em segundo plano nas últimas semanas, a reforma do PIS/Cofins em elaboração no governo federal tem um importante fator de pressão para que o governo não demore muito a enviá-la: o julgamento final da retirada do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, previsto para ocorrer em dezembro pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Como no mérito o resultado do processo já é conhecido, a conclusão sobre os embargos (recursos que pedem explicações sobre como deve ser aplicada a decisão e se ela será retroativa) apresentados pela União deve ensejar a pronta redução da base de incidência desses dois tributos.

Nesse sentido, fontes do governo apontam que a reforma do PIS/Cofins, que já deve contemplar no novo desenho do tributo a retirada do ICMS da base de cálculo, viria calibrada para manter o atual nível de arrecadação. Se não avançar com a proposta de mudanças, o governo vai ter que resolver se aceita perder arrecadação, em um ambiente fiscal deficitário, ou se elevará as alíquotas atualmente em vigor para compensar a perda de receita que vai se intensificar a partir do momento em que o STF concluir o processo.

A reforma do PIS/Cofins, que seria o primeiro passo dado pelo governo federal para um processo mais amplo de revisão do sistema nos próximos anos, visa resolver o problema de excesso de complexidade desse sistema, reduzindo não só as disputas entre empresa e governo sobre o que gera ou não direito de crédito tributário, mas também racionalizando as regras.

A ideia de unificação dos dois tributos vem sendo estudada há anos, ao menos desde 2015, quando Dilma Rousseff ainda estava no poder. A equipe econômica seguinte, comandada por Henrique Meirelles, deixou um modelo pronto, já considerando o resultado do julgamento do STF, mas não chegou a apresentar sua proposta.

Uma das ideias na ocasião era trabalhar com mais de uma alíquota para o novo tributo, de forma a reduzir resistências de setores como o de serviços, que têm menor capacidade de aproveitamento dos créditos gerados pelo recolhimento de tributos nas etapas anteriores do processo produtivo.

Embora não esteja descartada, a hipótese de mais de uma alíquota perdeu força. A versão mais recente da área técnica do Ministério da Economia trabalhava com uma taxa em torno de 11%, indistinta para todos os segmentos, e excluindo o ICMS da base de cálculo, embora definindo exatamente o escopo de recolhimento do tributo.

Recentemente, a Receita Federal causou polêmica junto aos tributaristas ao publicar uma Instrução Normativa (IN 1911) consolidando em um só dispositivo todas as regras vigentes para os dois tributos. O motivo da insatisfação foi a interpretação, já anteriormente manifestada pela Receita em solução de consulta, de que a exclusão do ICMS da base do PIS/Cofins seria relativa apenas ao tributo estadual a ser efetivamente recolhido pelo contribuinte. Ou seja, ficaria na base de tributação o que foi recolhido em etapas anteriores e que são considerados créditos do sistema não cumulativo do ICMS.

A interpretação da Receita expressa na IN foi vista como uma sinalização do que pode vir na reforma do PIS/Cofins.

 

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Abono salarial poderá ser negociado ano a ano com o Congresso Nacional


Proposta do governo prevê que benefício deixe de ser pago em períodos de restrição fiscal


Por Gabriel Vasconcelos 

 

O governo deve insistir em modificar a legislação relativa ao abono salarial por meio de uma das propostas de emenda constitucional (PEC) do Pacto Federativo. Segundo fontes próximas à preparação do pacote, a ideia, desta vez, é que o benefício seja “desobrigado”, com a política sendo discutida a cada exercício pelos congressistas, à luz do cenário fiscal.

Hoje o programa do abono salarial garante o valor de um salário mínimo (R$ 998) por ano para trabalhadores de carteira assinada com salário inferior a dois salários. Para ter acesso, o beneficiário deve constar no PIS/Pasep há cinco anos e ter trabalhado 30 dias no ano-base do cálculo. A obrigatoriedade, o valor e o teto que dá acesso ao benefício têm previsão constitucional. As demais regras foram definidas por lei de 1990. Portanto, “desobrigar” o benefício requer emenda à Constituição. Em junho, havia 24,6 milhões de elegíveis ao benefício, segundo Banco do Brasil e Caixa, gestores do programa. Neste ano o gasto do governo com o abono deve ficar em R$ 17,9 bilhões, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), número que deve chegar a R$ 19 bilhões em 2020 e a R$ 20,4 bilhões em 2021.

No escopo do terceiro “d” do mantra do ministro Paulo Guedes - “desvincular, desindexar e desobrigar” -, a proposta de mudança no abono salarial deve chegar pelo Senado. No início do mês, foi rejeitada na Casa investida do governo sobre o benefício. Após votação do primeiro turno da reforma da Previdência, o trecho que restringia o benefício a quem recebe até R$ 1.364,43 por mês foi suprimido via destaque sugerido pelo Cidadania. A mudança retirou R$ 76,4 bilhões da economia prevista com a reforma em dez anos e, por isso, Guedes teria determinado à equipe econômica compensações na reforma do Pacto Federativo.

O diretor de macroeconomia do Ipea, José Ronaldo Castro, confirmou que o tema tem sido abordado em reuniões da equipe econômica, mas preferiu não detalhar o texto. Castro afirma que eventual supressão do abono significaria economia média de R$ 20 bilhões por ano nos próximos dez anos. Ele se baseia nos resultados de um algoritmo desenvolvido pelo Ipea para mensurar a progressão dos gastos públicos e que tem sido usado pelo Ministério da Economia.

Castro diz que a política do abono salarial prejudica a distribuição de renda ao ignorar, por exemplo, o trabalhador informal. Técnicos do instituto calculam que 59% do montante envolvido no abono vai para a metade da população com a maior renda per capita domiciliar. Ele afirma que eventual supressão do benefício traria economia “relevante e imediata”, liberando espaço no orçamento para investir.

A equipe econômica têm os textos prontos desde a semana passada, mas, para que o pacote tenha viabilidade no Congresso, debaterá o que vai ou não entrar até o último instante. A mudança em estudo não instituiria gatilhos automáticos para suspensão do abono, mas deixaria a discussão aberta no Congresso a cada exercício. Em anos de restrição fiscal, o governo poderia se ver livre deste gasto com o aval dos parlamentares. A senadora Eliziane Gama, líder do Cidadania, disse que não há espaço político para retomar a discussão sobre o benefício. “Seria, de novo, uma tentativa de acabar com o abono. Conseguimos votação expressiva. O governo precisava de 49 votos e teve só 41”, disse. O Ministério da Economia não comentou.