Valor Econômico, n. 4920, 16/01/2020. Política, p. A9

Lava-Jato investigará funcionários do BC
André Guilherme Vieira
Talita Moreira
Luísa Martins
Isadora Peron


Pela primeira vez desde que foi deflagrada, em 2014, a Operação Lava-Jato chegou a indícios que apontam para corrupção de funcionários do Banco Central (BC).

Ex-funcionário da mesa de câmbio do Banco Paulista SA, Paulo Cesar Haenel Pereira Barreto assinou delação premiada com o Ministério Público Federal (MPF) em dezembro, e afirmou que o banco destinou quase R$ 20 milhões para cooptar agentes públicos com o propósito de “agilizar o trâmite da importação de dinheiro em espécie de instituições financeiras do Paraguai”. O Banco Paulista é alvo da Lava-Jato por suspeita de ter atuado na geração de dinheiro em espécie para o setor de propinas da Odebrecht.

Em nota, o Banco Paulista disse manter “relação ética no mais alto nível de respeito e profissionalismo “com o Banco Central, e que “desconhece e repudia” a prática relatada pelo delator.

O BC enviou esclarecimento ao Valor no qual afirma que “não foi comunicado sobre o conteúdo do referido processo, que corre em segredo de Justiça”.

O BC disse ainda que “todas as instituições autorizadas a operar em câmbio podem também realizar operações de importação e de exportação de dinheiro em espécie, sem depender para isso de qualquer outra ação ou autorização desta autarquia”.

O acordo de colaboração de Barreto foi firmado com as forças-tarefas do MPF de Curitiba, São Paulo e do Rio de Janeiro por envolver fatos que são de competência da Justiça Federal desses Estados. O delator entregou documentos internos do banco, e-mails e mensagens telefônicas aos investigadores.

A juíza substituta da 10ª Vara Federal Criminal de São Paulo, Fabiana Rodrigues, já homologou parte dos 16 anexos da delação de Barreto que envolvem ilícitos que teriam ocorrido no Estado. No ato de validação jurídica da delação, a magistrada mencionou “o pagamento de vantagens indevidas a servidores do Banco Central para agilizar o trâmite da importação de dinheiro em espécie de instituições financeiras do Paraguai”.

Desde o ano passado, transações de importação de valores do Banco Paulista com bancos e operadoras de câmbio paraguaios, realizadas entre 2008 e 2018, estão sob investigação do MPF de São Paulo por suspeita de envolverem lavagem de dinheiro.

Em maio do ano passado, a 61ª fase da Lava-Jato cumpriu mandado de prisão de ex-funcionários do Banco Paulista. Menos de um mês depois foram denunciados por gestão fraudulenta de instituição financeira e lavagem de dinheiro os ex-executivos Gerson Luiz Mendes de Brito (ex-diretor de controladoria) e Tarcísio Rodrigues Joaquim (ex-diretor de operações internacionais). Eles respondem ao processo penal em liberdade.

Em manifestação feita em 21 de fevereiro do ano passado à 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, procuradores da República do MPF do Paraná informaram que os operadores da Odebrecht emitiam notas fiscais falsas em favor do Banco Paulista.

“Há fortes evidências da atuação de Paulo Cesar Haenel Pereira Barreto, de Tarcísio Rodrigues Joaquim e de Gerson Luiz Mendes de Brito na lavagem dos ativos ilícitos recebidos pelos executivos do Meinl Bank Ltd. (Antígua) e integrantes do ‘Setor de Operações Estruturadas’ do Grupo Odebrecht”’.

Um dos controladores do Meinl Bank, Olívio Rodrigues - que também é delator - era o responsável por colocar à disposição dinheiro em espécie ao Banco Paulista, segundo a Lava-Jato.

“Para que aquela instituição efetuasse pagamento aos beneficiários finais daqueles recursos ilícitos, o que se dava por meio de transferências eletrônicas em favor de suas empresas de fachada”, segundo o MPF.

Os operadores do departamento de propinas da Odebrecht recebiam uma “comissão” de 2% sobre cada ingresso de valores nas contas operacionais do grupo então controladas por Olívio Rodrigues.

Os operadores do departamento de propinas da Odebrecht recebiam uma “comissão” de 2% sobre cada ingresso de valores nas contas operacionais do grupo então controladas por Olívio Rodrigues.

Segundo os delatores da Odebrecht, nos casos em que executivos e operadores optavam por receber comissão ilícita por intermédio do Banco Paulista, Olívio Rodrigues se valia de um expediente de compensação financeira. Após o recebimento de valores provenientes do exterior, ele colocava dinheiro em espécie à disposição do Banco Paulista, que efetuava pagamento aos destinatários finais desses valores por meio de transferências eletrônicas em favor de suas empresas de fachada. Para tanto, eram usados contratos falsos de prestação de serviços, de acordo com os delatores da Lava-Jato.

O MPF afirma também que o Banco Paulista realizou pagamentos fraudulentos a sete empresas de fachada, “justificados por contratos fictícios e notas fiscais falsas” totalizando R$ 48,4 milhões de 2009 a 2015.

A Lava-Jato também apura a legalidade de pagamentos de até R$ 286 milhões feitos pelo Banco Paulista a outras 10 empresas.

Toffoli adia por seis meses entrada em vigor do juiz das garantias

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, adiou em seis meses o prazo para que a figura do juiz das garantias entre em vigor no Judiciário brasileiro.

Em decisão assinada ontem, ele ainda prevê - como uma regra de transição - que a mudança só seja aplicada a casos futuros, e não àqueles que já estão em andamento. Assim, a investigação contra o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) continua, até o fim, nas mãos do juiz Flávio Nicolau, da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, a quem a família presidencial tem acusado de perseguição.

Também fica proibida, segundo a deliberação de Toffoli, a atuação do juiz das garantias em casos criminais eleitorais, de violência doméstica ou de competência do Tribunal do Júri.

No documento, o ministro ainda suspende dois trechos da lei: o sistema de rodízio em comarcas de juiz único; e o impedimento do magistrado que tiver acessado provas ilícitas. Essas duas questões ainda deverão ser submetidas à análise do plenário do STF, o que deve ocorrer até o fim de fevereiro.

O juiz das garantias é um magistrado responsável exclusivamente pela instrução do processo, a quem cabe determinar medidas cautelares como prisões preventivas e quebras de sigilo. Quando o investigado vira réu, a sentença fica a cargo de outro juiz. A medida, segundo juristas, reduz os riscos de parcialidade da Justiça.

Inicialmente, a norma estava prevista para vigorar a partir de 23 de janeiro, um mês depois da sanção do pacote anticrime pelo presidente Jair Bolsonaro. O tempo foi considerado exíguo para que o Judiciário conseguisse estruturar a mudança.

As determinações de Toffoli foram uma resposta a ações que pediam ao STF a suspensão do juiz das garantias. As principais críticas eram o custo da implementação e a dificuldade de efetivar a mudança, já que muitas comarcas têm apenas um juiz. Ao defender o juiz das garantias, Toffoli disse tratar-se de “um instituto que reafirma os mais avançados parâmetros internacionais” e uma solução “legítima sob a ótica constitucional”.

“A efetiva implementação não demanda necessariamente a criação de novos cargos, seja de servidores ou de magistrados. Passa muito mais por uma questão de gestão judiciária”, disse.

Ele anunciou ter prorrogado até 29 de fevereiro o prazo para que o grupo de trabalho no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apresente uma proposta de ato normativo para a implementação do juiz das garantias. Toffoli estima que o STF deva analisar o mérito das ações antes mesmo de concluído o grupo de trabalho. Ele se dispôs a pautar os processos “prontamente”, assim que o relator, ministro Luiz Fux, os libere para julgamento.

Fux assume o plantão do Judiciário no próximo dia 19 e tem competência para revogar a decisão, mas Toffoli sinalizou que ambos conversaram e estão alinhados nesse entendimento. Ele disse ter telefonado para os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para informá-los da decisão, que teria sido bem recebida.

Toffoli também se reuniu com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, que é manifestamente contrário ao juiz das garantias. Moro teria feito as sugestões sobre o sistema de rodízio e o impedimento do juiz, acolhidas pelo ministro do Supremo.

No Twitter, Moro disse que, ressalvada sua posição pessoal, considerou positivo o adiamento. "Haverá mais tempo para discutir o instituto, com a possibilidade de correção de, com todo respeito, alguns equívocos da Câmara", afirmou. A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), autora de uma das ações no STF, afirmou em nota que, ao decidir que o juiz das garantias só valerá em ações penais futuras, Toffoli demonstrou que o sistema atual já garante a isenção dos julgamentos.