Valor Econômico, n. 4920, 16/01/2020. Brasil, p. A8

Bolsonaro desiste de dar subsídio à luz de igrejas
Matheus Schuch


A despeito de sua proximidade com a bancada evangélica, o presidente Jair Bolsonaro voltou atrás na ideia de conceder subsídios de energia elétrica a templos religiosos. O assunto gerou divergências junto à equipe econômica, que defende a redução de gastos da União com esse tipo de benefício. Ontem, depois de se reunir com o presidente da bancada evangélica, deputado Silas Câmara (Podemos-AM), e o pastor R. R. Soares, Bolsonaro decidiu suspender as tratativas.

“Não tem negociação neste sentido, esta é uma decisão minha”, afirmou Bolsonaro. “O impacto seria mínimo na ponta da linha, mas a política da Economia é não ter mais incentivos”.

A pedido do presidente, o Ministério de Minas e Energia chegou a elaborar a minuta de um decreto sobre o tema. Bolsonaro relativizou a situação, disse que pede pareceres a diferentes ministérios para embasar suas decisões. Admitiu que neste caso, porém, o benefício às igrejas significaria prejuízo a outros consumidores.

“Na outra ponta da linha, quando se fala em subsídio, alguém vai pagar a conta”, declarou o presidente.

Mais cedo, em outra entrevista em Brasília, Bolsonaro disse que o Brasil é “o país dos subsídios” e que é necessário rever o quadro.

Ainda assim, decidiu que irá restituir a alíquota do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) para o setor de concentrados de refrigerantes na Zona Franca de Manaus (ZFM). A medida beneficia indústrias instaladas na região, pois aumenta o valor de créditos tributários.

“Houve um mal entendido no ano passado, já conversei com o Paulo Guedes, a gente vai passar, se não me engano, de 10% para 8% agora, até chegar a 4%, em dois ou três anos”, explicou.

A mudança deverá ser oficializada em um decreto assinado por Bolsonaro, ainda sem data definida. A polêmica sobre o setor começou em 2018, quando o então presidente Michel Temer reduziu de 20% para 4% a alíquota. Diante da pressão da indústria, ele retomou os incentivos parcialmente. Agora, caso não haja novo decreto de Bolsonaro, a alíquota retornará a 4%.

Na esteira de outra discussão sobre incentivos, ele citou o caso da taxação de energia solar para falar sobre o papel das agências reguladoras. Ao mesmo tempo em que defendeu dirigentes com perfil técnico, disse que as agências não são “soberanas” e precisam atender aos interesses do povo.

“Tiramos da penumbra a Aneel, tem muita gente boa lá dentro, mas as decisões muitas vezes não são as que interessam ao povo brasileiro”, opinou. “As agências são importantes, são autônomas, mas não são soberanas.”

Incomodado com o lobby do setor, Bolsonaro interferiu nas discussões da Aneel e ameaçou de demissão quem levantasse discussões sobre o fim de subsídios para painéis solares.

Ainda sobre as agências, Bolsonaro defendeu mais agilidade em análises da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), citando como exemplo a fosfoetanolamina sintética, conhecida como a “pílula do câncer”. A lei que liberou o medicamento foi assinada por Bolsonaro enquanto ele era deputado. O texto chegou a ser sancionado pela então presidente Dilma Rousseff, mas foi suspenso por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

Bolsonaro comentou ainda a informação de que os Estados Unidos apoiam a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Para o presidente, o país está adiantado no cumprimento de requisitos exigidos para o ingresso, mas não quis estabelecer prazos.