Valor Econômico, v. 20, n. 4899, 12/12/2019. Brasil, p. A6

Aras atua contra ‘bomba’ fiscal em caso do PIS/Cofins

 Daniel Rittner
 Murillo Camarotto

 

 Em novo pronunciamento, recém-enviado aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e obtido pelo Valor, a Procuradoria-Geral da República (PGR) se alinha à equipe econômica e reforça a tentativa do governo de desarmar uma “bomba” fiscal.

 O procurador-geral, Augusto Aras, assina um memorial ao STF defendendo que seja aplicada só daqui para frente a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Ele chama atenção para o “grave impacto nas contas públicas” de uma eventual devolução aos contribuintes, pelo governo, de todo o montante arrecado a mais em PIS/Cofins. O procurador alerta que esse cenário poderia “comprometer o funcionamento dos órgãos do Estado, os investimentos públicos e a implementação dos direitos sociais”.

 O caso foi decidido pelo Supremo em 2017. A União saiu derrotada. Por meio de embargos declaratórios, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) - vinculada ao Ministério da Economia - solicitou a chamada modulação dos efeitos da decisão, para que o entendimento seja aplicado apenas a partir do julgamento do recurso. Isso reduziria o impacto aos cofres públicos.

 Estimativas apresentadas pela PGFN no julgamento do caso indicam que a União precisaria devolver R$ 250 bilhões aos contribuintes. Se a modulação definir que a mudança se aplica somente para o futuro, empresas com ações já ajuizadas ficariam impedidas de recuperar o valor adicional pago nos últimos anos. Mais de 9 mil processos estão pendentes. A decisão do STF tem repercussão geral e sua implementação depende do desfecho sobre os embargos declaratórios, que o presidente Dias Toffoli havia prometido colocar em pauta neste ano.

 “Considerando-se apenas a incidência do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins - excluído portanto o potencial da tese adotada impactar em outras controvérsias -, a repercussão financeira pretérita do julgamento (repetições de indébito) monta a mais de R$ 250 bilhões, até 2015”, afirma o procurador-geral no documento. “Tais números, no que tange às perdas, foram atualizados na LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias] de 2020, sendo que para o ano de 2019 encontrou-se valor aproximado de R$ 47 bilhões e, para um período de apenas cinco anos retroativos, o valor de R$ 246 bilhões”, acrescentou.

 “Nacionalmente, 9.484 processos foram sobrestados à espera do resultado deste julgamento, podendo aumentar os sobreditos valores em desfavor do Estado. Com fundamento na exclusão do ICMS da base de cálculo de PIS e Cofins, só no Estado de São Paulo, o montante de valores pleiteados por contribuintes, já em fase de liquidação, monta a mais de R$ 16 bilhões”, observou.

 Pedido de Aras: aplicação somente a partir do exercício financeiro subsequente àquele em que ocorrer a publicação do acórdão sobre os embargos. No caso de publicação em 2020, seria apenas em 2021 - e assim sucessivamente. Essa modulação “representa uma oportunidade para que o Estado, surpreendido por julgamento economicamente tão impactante, reorganize-se sob o ângulo fiscal e orçamentário, evitando comprometer o desempenho de suas próprias finalidades”.

 Aras também cogita uma alternativa: caso o STF não concorde com essa tese, ele propõe a aplicação a partir de 2018, ano subsequente ao do acórdão do julgamento do mérito, que foi publicado em outubro de 2017.

 Em junho deste ano, a então procuradora-geral, Raquel Dodge, elaborou parecer na mesma linha de seu sucessor. Ela também apontou o risco de desorganização das finanças públicas a partir de “importante modificação no sistema tributário brasileiro”.

 O memorial de Aras complementa o parecer remetido ao STF em junho. Críticos desse entendimento alegam que, se a modulação for aceita pelos ministros do STF, poderia provocar uma reviravolta no mercado. Isso porque muitas empresas que têm decisões favoráveis para a exclusão do ICMS do cálculo das contribuições passaram a utilizar os créditos que calculam ter direito.

 No âmbito das propostas de reforma tributária discutidas no Congresso, o ICMS não ficará na base de cálculo do PIS/Cofins. Isso implicará um aumento na alíquota das duas contribuições.