Valor Econômico, v. 20, n. 4897, 10/12/2019. Empresas, p. B6

 

Governo prepara decreto para proteger dados em 5G
 Rafael Bitencourt
 Matheus Schuch 

 

O presidente Jair Bolsonaro deve assinar no início de 2020 um decreto para estabelecer a política pública de segurança cibernética no Brasil. A ideia é criar uma nova base regulatória para garantir o sigilo na comunicação da população e do governo pelas redes de telecomunicações. O decreto é redigido no momento em que ganha fôlego o debate mundial  sobre a confiabilidade do padrão tecnológico da quinta geração da telefonia celular (5G).

A norma do governo está sendo preparada pelo Gabinete da Segurança Institucional (GSI), da Presidência da República, e o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). O secretário de Telecomunicações da Pasta, Vitor Menezes, disse ao Valor que logo após a publicação do decreto, o órgão comandado pelo ministro Marcos Pontes definirá - seja por meio de novo decreto ou portaria ministerial - as diretrizes específicas que deverão ser seguidas pelo mercado de telecomunicações.

O detalhamento das regras que precisarão ser seguidas pelas operadoras virá em resolução da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). O plano, segundo Menezes, é que todo o arcabouço regulatório da área de segurança cibernética esteja valendo até o fim do primeiro semestre do ano que vem. O técnico do ministério afirmou que o governo toma como referência as regras discutidas pela União Europeia (UE).

“Os europeus são muito atentos ao tema, mas não são radicais. De um modo geral, eles estão estabelecendo padrões comuns para requisitos de segurança especialmente agora com o 5G”, disse Menezes, em entrevista ao Valor.

Ele lembrou que uma delegação do governo brasileiro esteve em novembro em Bruxelas, na Bélgica, para tratar do assunto no encontro “Diálogo Brasil-União Europeia”.

A regulamentação da política pública de segurança cibernética para a proteção da comunicação do governo ficará a cargo do próprio GSI. O órgão é responsável pelo serviço de inteligência do governo, comandando inclusive a Abin, e aconselha o presidente da República em decisões estratégicas e de soberania nacional.

Sobre as regras que serão colocadas para as operadoras na comercialização dos serviços para a população, o secretário assegurou que não haverá restrição ou favorecimento a qualquer fornecedor.

O governo Bolsonaro chegou a sinalizar que poderia adotar a diretriz do governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de restringir a atuação da Huawei. O governo americano alega que o fornecedor chinês, que saiu à frente na corrida pelo desenvolvimento de redes 5G, não é transparente o suficiente sobre sua política de segurança cibernética e especialmente sobre o limite da relação com as autoridades de Pequim.

“Somos um país aberto, livre e interessado na diversidade de fabricantes que vêm para o Brasil. A gente trata todos os fabricantes igualmente, com o mesmo nível de confiança. A gente não está aqui [na elaboração do decreto] confiando ou desconfiando de ninguém”, disse o secretário.

Ele, no entanto, admite que a motivação do governo está relacionada ao “temor que vem da China”, apesar de não “ter evidências de nada”. Países como a Austrália e o Japão já seguem as orientações do governo americano de impor restrições ao fabricante chinês.

“A gente não vai criar a jabuticaba, mas também não vai deixar a porta aberta”, resumiu Menezes. Ele disse acreditar que a regulação brasileira nessa área vai influenciar os vizinhos da América Latina.

Um dos riscos que vinham sendo identificados por técnicos do governo envolve a possibilidade de as prestadoras estruturarem sua rede com o predomínio de equipamentos de um só fabricante. O secretário do MCTIC minimiza esse risco.

“Historicamente, as operadoras já não adotam fabricantes únicos. Tanto é que Huawei não tem 100% da rede no Brasil, e os outros competidores, como Ericsson, Nokia e a própria ZTE [outro fabricante chinês] são agressivos nas suas estratégias de mercado”, disse Menezes.

Segundo o secretário, a diversidade de fabricantes na estruturação da rede será um dos requisitos da norma que será lançada. Outros preceitos, disse ele, serão exigidos na certificação dos equipamentos e softwares usados na operação das redes de telecomunicações.