O Globo, n. 32682, 29/01/2023. Política, p. 10

Flá­vio rebate Val­de­mar sobre minuta do golpe: ‘Não recebi’

Alice Cravo


O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) rebateu neste sábado declarações do presidente do seu partido, o ex-deputado Valdemar Costa Neto, de que propostas de golpe e intervenção no Tribunal Superior Eleitoral circularam no entorno do ex-presidente Jair Bolsonaro: "Se ele recebeu, eu não recebi".
Em entrevista exclusiva ao GLOBO, Valdemar disse que havia minutas golpistas como a encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres “na casa de todo mundo". Segundo Valdemar, porém, todas foram descartadas.

— Não vi nenhuma minuta golpista circulando — afirmou Flávio. — Se ele (Valdemar) recebeu, eu não recebi. Eu ouvia de gente da rua que todo mundo queria que houvesse alguma coisa porque estavam insatisfeitas com a destruição da democracia que estava acontecendo.

O documento, apreendido pela Polícia Federal durante buscas na casa de Torres, propunha a decretação de estado de defesa no TSE. Na prática, a medida poderia impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

— Sobre essa (minuta) que foi encontrada na casa do (ex-) ministro, nunca vi, nunca li, nunca tive acesso a isso. Agora, as pessoas falam o que quer. O mais importante é que o fato concreto bota essa suposta minuta de alguma coisa totalmente no lixo.

Flávio participou neste sábado de evento em que o PP e o Republicanos oficializaram o apoio à candidatura do ex-ministro Rogério Marinho (PL-RN) à presidência do Senado.

Questionado sobra as manifestações golpistas de 8 de janeiro, em que apoiadores do ex-presidente invadiram e depredaram as sedes dos três Poderes, Flávio qualificou os atos como "criminosos", mas disse não considerar uma tentativa de golpe.

— Eu acho criminosos. De pessoas que estavam ali de uma forma inconsequente, descontrolada. E que tem que ser responsabilizada pelo o que fizeram. Mas daí a falar que quer tomar o poder, ato de terrorismo…eu nunca vi essa qualificação quando o MST depredava invadia fazenda, destruir plantações, ou quando as pessoas invadiam ministério, tacavam fogo em ministério.

O senador defendeu a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado para investigar os atos. A intenção da oposição a Lula é usar o colegiado para envolver o governo federal nas apurações.

Ainda sobre os ataques de 8 de janeiro, o senador atribuiu, indiretamente, parte da culpa ao atual presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Ao defender a candidatura de Rogério Marinho à presidência do Senado, Flávio afirmou que é preciso pacificar o país e que "quem esteve na cadeira" da presidência do Senado não soube fazer.

— Rogério Marinho é o homem correto para a pacificação sim desse país, que passa por um Senado independente. Quem esteve na cadeira do Senado não fez essa pacificação.

Questionado se as declarações de Bolsonaro ao longo dos últimos anos contribuíram para o ataques, Flávio afirmou que são “narrativas” e que o ex-presidente fez “diversas” declarações públicas contrárias às mobilizações.

Bolsonaro, no entanto, ainda não reconheceu publicamente o resultado das eleições presidenciais de 2022, que deram vitória ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Três dias depois dos ataques golpistas às sedes dos Três Poderes, o ex-presidente publicou uma postagem com uma série de informações falsas e ataques ao sistema eleitoral e depois apagou a publicação.

— De forma alguma (contribuiu). Isso a imprensa alimenta de forma equivocada, beirando criminalidade contra o Bolsonaro. O presidente fez diversas manifestações públicas, inclusive pedindo desmobilização, já que ele não tinha controle sobre aquilo, nunca teve. Esse falso entendimento que o Bolsonaro manda. Que se o Bolsonaro mandar as pessoas vão obedecer. Não é assim que funciona — afirmou.

Na sequência, Flávio tentou atribuir parcela de culpa ao presidente Lula, afirmando que esteve “uma semana na presidência e não fez nada” para desmobilizar os acampamentos em frente ao QG do Exército.

— Mas o presidente já não era Bolsonaro (em 8 de janeiro). Se estão tentando imputar ao Bolsonaro alguma responsabilidade sobre o acampamento, pacífico, de pessoas que estavam ali protestando legitimamente, dentro do seu direito constitucional, querendo responsabilizar o Bolsonaro por não ter desmobilizado isso, o Lula também tem que ser responsabilizado. Porque durante uma semana ele foi presidente e não fez nada para tirar o pessoal de lá. Ou se fez, não foi efetivo. Não dá para querer usar medida para Bolsonaro e uma medida para Lula.

Diversos apoiadores do ex-presidente participaram dos atos golpistas de 8 de janeiro. Um deles, inclusive, foi flagrado destruindo um relógio do século XVII, no Palácio do Planalto. No momento, ele usava uma camisa com o rosto de Bolsonaro estampada.

— Se tem uma pessoa que veste a camisa do Bolsonaro e vai para a rua fazer alguma besteira, ela tem que ser responsabilizada, não o Bolsonaro — afirmou Flávio.

Durante o evento que oficializou a formação de um bloco entre PP, PL e Republicanos em apoio à sua candidatura à presidência do Senado, o ex-ministro Rogério Marinho afirmou que “nunca viu” uma minuta golpista circulando no governo e que não lhe cabe julgar o ex-presidente Bolsonaro.

— Eu nunca vi nenhuma minuta circulando próximo a mim e nunca tive conhecimento. O que eu posso dizer é que o presidente em 31 de dezembro deixou o governo e no 1º de janeiro o presidente Lula assumiu o governo. Então, há um fato concreto de que nada aconteceu. E quanto a circular e não circular documentos, não posso falar a respeito do que eu não conheço.