Valor Econômico, v. 20, n. 4896, 07/12/2019. Legislação e Tributos, p. E2
 

Multa moratória diária
Cláudio Renato Ricaldoni Silva

 

Desde 1997, o contribuinte que atrasa o pagamento de tributos federais está sujeito à multa moratória diária de 0,33% sobre este débito, limitada a 20%. Logo, este limite é alcançado no 61° dia contado a partir do primeiro dia subsequente ao da data de vencimento do tributo - isto é, pouco mais de dois meses após a data de vencimento do tributo.

Já no direito consumerista, regido especialmente pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), previsto na Lei n° 8.078, de 1990, a multa moratória mensal está limitada a 2% sobre o valor do débito, o que corresponde a aproximadamente 0,066% ao dia, mostrando-se, portanto, nos dois primeiros meses após o vencimento do débito, cinco vezes inferior  à multa de mora aplicada sobre os tributos federais. A multa de mora não poderia ser pífia, mas também não poderia ter um importe que inviabilizasse o recolhimento do tributo.

Ou seja, enquanto um consumidor está sujeito à multa de 20% apenas no décimo mês após o vencimento do título, o contribuinte de tributos federais sujeita-se a esta multa já no segundo mês do vencimento do tributo.

Eventualmente, poder-se-ia argumentar que o motivo da multa diária elevada decorre do cenário inflacionário brasileiro, cuja taxa anual era de 9,56% em 1996, ano da publicação da Lei n° 9.430, que instituiu a multa de mora diária de 0,33%.

No entanto, desde 1995, os efeitos inflacionários sobre os débitos tributários federais são reconhecidos pela taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) e não deveriam afetar a definição do percentual da multa moratória. Inclusive, a não interferência da inflação na multa moratória sobre tributos federais é também percebida pelo fato de os índices inflacionários terem sofrido significativas oscilações desde 1995 até os dias atuais, mas a taxa diária de multa moratória se manteve inalterada.

O motivo, então, seria o desencorajamento à elisão fiscal e, para isso, a multa de mora não poderia ser pífia, mas também não poderia ter um importe que lhe conferisse característica confiscatória, inviabilizando, inclusive, o recolhimento do tributo.

Neste diapasão, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), no Agravo Regimental em Agravo de Instrumento 727.872/RS, entendeu que o limite de 20% para a multa moratória sobre os tributos federais em atraso não tem característica confiscatória, possuindo, como aspecto pedagógico, o desestímulo ao atraso. Aliás, nas palavras do ministro Luís Roberto Barroso, relator do agravo, o patamar de 20% para multa moratória pareceu-lhe ser o “índice ideal”.

À primeira vista, é plenamente compreensível esta ideia, especialmente quanto à primazia da justiça fiscal a fim de evitar tratamento isonômico entre o contribuinte adimplente e aquele em mora. Desta forma, em nada se questiona o limite da multa de mora para tributos federais recolhidos após seu vencimento estabelecido em 20% do tributo devido.

A reflexão ora proposta é quanto ao tempo ideal para se alcançar este limite de 20% para a multa moratória. Seria adequado o alcance deste limite em apenas dois meses após o vencimento do tributo federal, com multa diária de 0,33%?

Considerando o cenário complexo e hostil do sistema tributário brasileiro, pode-se afirmar que o prazo de dois meses para identificação de eventual insuficiência de recolhimento dos tributos federais pela pessoa física ou jurídica seria exíguo.

Vale dizer que, passados os dois meses após o vencimento do tributo, caso o contribuinte tenha percebido necessidade de recolhimento complementar, este valor será acrescido de 20%, o que pode inviabilizar o pagamento desta parcela. Logo, mesmo no caso de boa-fé do contribuinte, ele pode se ver desprovido de recursos financeiros para este pagamento complementar majorado pela multa moratória diária. Assim, o tiro pode ter saído pela culatra.

Outro efeito colateral de a multa moratória atingir seu patamar de 20% em apenas dois meses de atraso é a chance de o contribuinte postergar este pagamento após este período (ou até mesmo não efetuar o recolhimento), uma vez que a multa já atingiu seu limite. Neste caso, o contribuinte preteriria o pagamento deste tributo, preferindo adimplência de outras obrigações, o que levaria à redução de arrecadação pelo governo federal.

É por isso que muitos contribuintes festejam os controversos programas de recuperação fiscal - geralmente conhecidos como Refis -, que oferecem significativa redução da multa de mora, podendo chegar ao seu desconto integral.

É bem verdade que, como alternativa para não pagamento da multa moratória, o Código Tributário Nacional oferece ao contribuinte o direito à denúncia espontânea prevista no seu artigo 138. Contudo, vale ressaltar que este direito não tem aplicação irrestrita, sendo vedado pela Receita Federal do Brasil, por exemplo, no caso de compensações (e não pagamento) de débitos tributários em atraso.

Face ao exposto, o propósito é trazer a seguinte reflexão: qual o momento ideal para se atingir este limite de 20% de multa moratória sobre tributos federais? Pelo que parece, o exíguo prazo de dois meses é bastante prejudicial ao contribuinte e, por que não dizer, também ao governo federal.

Neste sentido, considerando a atual intensificação da discussão da reforma tributária, além dos sinais positivos do aumento da confiança do governo federal em sua sociedade (e, obliquamente, da Receita Federal do Brasil em seus contribuintes) por meio da Lei da Liberdade Econômica (n° 13.874/19) e da MP do Contribuinte Legal (Medida Provisória n° 899/19), é proposta uma nova reflexão, que não passa pelo limite da multa moratória de até 20% para os tributos federais, mas pela redução do seu percentual diário de 0,33% para 0,066% a fim de, além de desencorajar a elisão fiscal, permitir ao contribuinte de tributos federais regularizar eventuais débitos tributários sem necessitar de futuros Refis.