Valor Econômico, v. 20, n. 4896, 10/12/2019. Política, p. A11
 

A caminho da planície, Maia reforça pregação reformista
 Malu Delgado 


 

“É esse cara que toca o país, né? Enquanto isso o Bolsonaro fica lá com as briguinhas dele, de esquerda, direita”, comentava um advogado com um grupo de colegas de profissão, em uma mesa, durante almoço organizado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), na última sexta-feira, para ouvir a previsão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sobre as perspectivas do ano legislativo de 2020.

Nos últimos seis meses, Maia teve pelo menos 18 encontros públicos, somente na capital paulista, com empresários, representantes do mercado financeiro, organizadores de movimentos de renovação política e especialistas em educação. As agendas com a elite paulistana normalmente ocorrem às segundas-feiras, quintas e sextas, quando as sessões na Câmara, em Brasília, são não deliberativas (sem votações).

Maia terá apenas mais um ano à frente da Câmara e, como definiu um colega parlamentar, sentirá, depois, as mazelas de voltar a ser planície. Na previsão de agenda que fez durante esse último almoço em São Paulo, o deputado não só demonstrou que há possibilidade de aprovação das reformas tributária e administrativa como deixou claro que essas serão  suas principais frentes pessoais de batalha em 2020, num claro contraste com o empenho do governo federal. “A reforma do Estado brasileiro, da administração pública, é um debate difícil, mas fundamental.”

O presidente da Câmara apontou a revolução tecnológica das últimas décadas, que levou “à redução dos intermediários em qualquer área da sociedade”, como o principal desafio para a democracia nos tempos atuais. “Os governos autoritários vêm para contestar de forma permanente as instituições democráticas”, sustentou, sem em nenhum momento citar nominalmente o atual governo brasileiro.

Segundo ele, o mais relevante não é o fato de existirem as fake news, mas a rapidez com que viralizam, sem que plataformas digitais sejam responsabilizadas. “A gente precisa conhecer quem financia, como financia e por que financia”, afirmou, num momento em que a Câmara conduz uma tumultuada comissão parlamentar de inquérito para apurar fake news. “O caminho que a sociedade tem é reafirmar a importância da democracia e de suas instituições.”

Ao prever ambiente favorável para as reformas, Maia repetiu um discurso de cobrança das elites por sua responsabilidade na mudança do Estado. “Precisamos, sim, olhar a reforma administrativa como uma prioridade. Eu sou contra esse Estado que está aí. Ele enfraquece a política, enfraquece a democracia. Todos nós, aqui, temos a obrigação de construir  outro Estado”, afirmou.

Como exemplos das distorções no setor público, Maia citou seu quintal. Disse que, do orçamento da Câmara, de R$ 5,4 bilhões, R$ 3,6 bilhões financiam salários e aposentadorias de servidores públicos. O salário médio na Câmara é de R$ de 30 mil e em cinco anos as carreiras de nível superior atingem o teto salarial previsto para o funcionalismo público.

Na tentativa de convencer a elite que o aclama como personagem que atua com responsabilidade política, o presidente da Câmara afirmou que o Brasil construiu, nos últimos 30 anos, “um Estado concentrador de renda, que atende a pouca parte da sociedade, é ineficiente e que concentra os seus interesses na mão de poucos.”