Valor Econômico, v. 20, n. 4894 05/12/2019. Política, p. A15


Com cortes, Câmara aprova pacote anticrime
 Raphael Di Cunto
 Marcelo Ribeiro 

 

Após meses de negociações, idas e vindas e atritos entre o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e o Congresso, a Câmara dos Deputados aprovou ontem, com apoio de quase todos os partidos, o pacote anticrime proposto pelo ex-juiz da Operação Lava-Jato junto com a proposta do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Foram por 408 votos a 9.

Parte do pacote de Moro acabou rejeitado, como a ampliação do excludente de ilicitude para que policiais não fossem punidos por matar “sob violenta emoção” - uma promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro -, que as audiências com presos fossem por videoconferência e a instituição do “plea bargain”, um acordo entre acusação e defesa para encerrar o processo em troca de redução de pena bastante comum nos Estados Unidos.

Por outro lado, o projeto teve pontos aprovados, como o aumento do tempo máximo de prisão de 30 para 40 anos; a criação de um banco de perfil genético (DNA); acordo de não persecução penal para crimes de baixa periculosidade (o juiz pode não dar prosseguimento ao processo em troca de o réu assumir a culpa e cumprir pena alternativa); proibição de condicional e de saída temporária para condenados por crime hediondo seguido de morte; e julgamento de organizações criminosas por varas criminais colegiadas.

Para o deputado capitão Augusto Rosa (PL-SP), que foi relator do grupo de trabalho que analisou e consolidou os dois projetos, trata-se do maior número de mudanças na legislação penal desde a Constituição de 1988. Antes reticente a acordos, ele defendeu o texto de consenso. “Gostaria que fossem incluídos vários pontos, excluídos vários pontos. Mas, dentro de uma Casa democrática, é o que temos para aprovar e não podemos negar que será um reforço no combate à corrupção, às facções criminosas e aos crimes do colarinho branco”, disse.

Segundo Rosa, 65% a 70% das propostas de Moro constam da versão do projeto que será encaminhada ao Senado - que, se passar por alterações, voltará para decisão da Câmara antes de seguirem para sanção. “Temos a oportunidade de, no ano que vem, trabalharmos para aprovar tudo que ficou de fora”, disse.

Para o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), a votação foi uma derrota de Moro, que se empenhou pessoalmente para retomar seu projeto quase integralmente. “Aquela proposta tinha pontos para prender e criminalizar a população mais pobre, a população negra, o povo da periferia. Nesta noite vamos derrotar Sergio Moro”, disse.

Centrão e oposição pretendiam votar o texto do grupo de trabalho sem emendas, mas ontem o acordo avançou para os demais partidos após quatro pontos rejeitados pelo GT voltarem ao texto, como a possibilidade de escutas telefônicas nas conversas entre advogados e presos (mediante autorização judicial), a prisão imediata em caso de condenações pelo pelo tribunal do júri e a criação de um agente infiltrado em organizações criminosas.

A única divergência decidida no voto era a criação do juiz de garantias, que atuaria na fase inicial do processo até a aceitação da denúncia. Outro juiz, que não participou da coleta de provas, assumiria depois e faria o julgamento. O texto foi introduzido pelo grupo de trabalho após a revelação de conversas de Moro com procuradores da Lava-Jato, em que ele supostamente orientava a produção de provas e elaboração da denúncia - o que ele nega ter feito. O dispositivo foi aprovado por 256 votos a 147.

Outros dois projetos apresentados pelo ministro junto com o pacote, contudo, ainda não tem previsão de votação. Um deles, para que a Justiça Comum analise crimes cometidos em meio a campanhas eleitorais, foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas não tem data para análise pelo plenário. Outro, que reforça a punição por caixa dois de campanhas, sequer teve parecer apresentado e está nas gavetas da Comissão de Finanças da Câmara.