Valor Econômico, v. 20, n. 4894 05/12/2019. Brasil, p. A10
 

Brasil e Argentina fecham acordo para voos comerciais
 Daniel Rittner 

 

Nos últimos dias do presidente Mauricio Macri na Casa Rosada, Brasil e Argentina fecharam um acordo para aumentar o limite de voos comerciais permitidos de um país a outro, superando o impasse que se arrastava desde a década passada. Pelo entendimento, que foi alcançado durante a reunião de cúpula do Mercosul em Bento Gonçalves (RS), o número de frequências passa das atuais 133 para 170 por semana. Não haverá mais limite para voos cargueiros.

Como já existe um tratado de serviços aéreos Brasil-Argentina e se trata de uma ampliação, os novos termos podem entrar em vigência imediatamente e não precisam de ratificação legislativa. Por causa da alta demanda de passageiros entre os dois países, o limite estava estourado do lado brasileiro. As operações excedentes - principalmente da Azul - vinham sendo autorizadas com base no Acordo de Fortaleza, um arranjo regional que permite voos extras com chegada ou saída fora dos aeroportos principais (caso de Guarulhos e do Galeão no Brasil).

Para uma autoridade brasileira da área de infraestrutura, o acordo dará mais segurança jurídica e previsibilidade às operações, já que as companhias aéreas precisam fazer grandes investimentos antes de iniciar novos voos. A proposta inicial de Brasília era de um tratado de céus abertos, sem nenhuma limitação de frequências, mas Buenos Aires rejeitou a ideia e preferiu algo menos ambicioso.

Mesmo assim, era uma das maiores prioridades do Ministério da Infraestrutura e da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para acordos no setor aéreo. O tratado de “open skies” com os Estados Unidos, que ficou anos parado no Congresso, finalmente foi promulgado pelo ex-presidente Michel Temer. E novos acertos foram assinados recentemente com Reino Unido, Portugal, Holanda - países com os quais havia pouco ou nenhum espaço para novos voos.

Com a Argentina, no entanto, tratava-se da última “janela de oportunidade”. O governo da ex-presidente Cristina Kirchner (2007-2015) só aceitava revisar os termos do acordo com o Brasil quando a Aerolíneas Argentinas preenchesse todo o limite de voos. Na prática, era uma reserva de mercado. No governo Macri, que termina na próxima terça-feira, empresas como Flybondi e Norwegian passaram a fazer voos ligando Buenos Aires ao Rio e a São Paulo. Com isso, passou a haver mais flexibilidade para uma revisão.

O clima de despedida esteve presente em boa parte da reunião e o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, aproveitou para enviar recados. A seis dias da posse do esquerdista Alberto Fernández, ele disse que o governo brasileiro está pronto para trabalhar com todos os sócios do Mercosul, mas sem voltar para o “fundo da caverna”.

Fundo da caverna, segundo a descrição feita pelo ministro, é uma economia protecionista e intervencionista, controlada pelos amigos do rei, na qual todos achavam que poderiam se proteger da concorrência externa, mas só colheram recessão e desemprego. “Não queremos construir pontes para o passado recente e desastroso”, afirmou, sem mencionar diretamente o presidente eleito ou o país vizinho, durante a abertura do encontro de chanceleres do bloco.

“O Mercosul deixou de ser um freio e transformou-se em um acelerador. Apagou-se da memória o Mercosul protecionista, ineficiente e retórico. Saímos da caverna e voltamos para a luz do sol”, comentou o ministro.

Antes de passar a palavra, reconheceu que o Brasil gostaria de ter avançado “muito mais” na reforma da Tarifa Externa Comum (TEC) e iniciar um processo de redução das alíquotas em janeiro, mas celebrou o progresso em negociações de acordos de livre-comércio e a economia de custos com reuniões do bloco, aumentando o número de videoconferências no lugar de encontros pessoais.

Também de saída, o chanceler uruguaio, Rodolfo Nin Novoa, reforçou a defesa de uma reforma da TEC e avaliou que um acordo em torno da redução unilateral das tarifas de importação poderá ser alcançado no próximo semestre. Segundo ele, as alíquotas atuais não representam mais a estrutura produtiva dos países do bloco.

Perto de deixar o cargo, Nin Novoa acredita na possibilidade de acordo sobre o assunto durante a presidência rotativa do Paraguai, que recebe o bastão do Brasil e conduzirá o bloco até julho.

Araújo concordou e mencionou o calendário eleitoral dos últimos meses como um empecilho, mas também demonstrou a expectativa de avanços no próximo semestre. Um exercício inicial elaborado pela equipe econômica propunha a queda da tarifa industrial média de 13,6% para 6,4%. Diante da perspectiva de não reeleição de Macri, as conversas se estancaram.

Depois de 15 anos governando o Uruguai, a Frente Ampla de Nin Novoa perdeu as eleições e dará lugar ao presidente de centro-direita Luis Lacalle Pou, que toma posse em março. Em tom de despedida, ele afirmou que “governos passam, nações permanecem”. E celebrou a realização de eleições “justas e livres” em seu país. No fim do discurso, emocionado, foi longamente aplaudido por todos os demais chanceleres e funcionários que acompanhavam a reunião.