O Globo, n. 32676, 23/01/2023. Mundo, p. 24

Lula e Fernández vão discutir moeda comum sul-americana

Jeniffer Gularte


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu, em entrevista na Casa Rosada, sede do governo argentino, a criação de uma moeda comum no Mercosul, mas não deu detalhes da proposta e afirmou que o assunto será debatido pelas equipes econômicas do Brasil e da Argentina. Ao ser questionado sobre como o novo modelo funcionaria, brincou:

— Se eu soubesse tudo que o jornalista perguntou, eu seria ministro da Fazenda e não presidente da República — afirmou em Buenos Aires.

No memorando de entendimento assinado entre os ministérios da fazenda dos dois países, para a integração econômica e financeira, o texto não cita o termo moeda comum, mas fala em "expandir o uso de moedas locais, com a intensificação das negociações entre os bancos centrais e outros órgãos responsáveis por aperfeiçoar o Sistema de Pagamento de Moedas Locais (SML) e ampliar seu uso e escopo, com vistas a um comércio sem obstáculos e com a inclusão do comércio de serviços".

Em outro trecho, a declaração assinada pelos dois países afirma que Brasil e Argentina "Acordaram iniciar estudos técnicos, incluindo os países da região, sobre mecanismos para aprofundar a integração financeira e mitigar a escassez temporária de divisas, incluindo mecanismos a cargo dos bancos centrais. Compartilharam também a intenção de criar, no longo prazo, uma moeda de circulação sul-americana, com vistas a potencializar o comércio e a integração produtiva regional e aumentar a resiliência a choques internacionais", diz o documento.

Ao lado do presidente da Argentina, Alberto Fernández, Lula afirmou que, se dependesse dele, o comércio exterior seria sempre na moeda dos outros países, para que não houvesse dependência do dólar.

— Eu vou dizer o que penso: se dependesse de mim, a gente teria, comércio exterior sempre na moeda dos outros países, pra não precisar depender do dólar. Por que não tentar criar uma moeda entre os países do Mercosul? Do Brics (Grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul)? Acho que com o tempo isso vai acontecer e acho necessário que aconteça. Muitas vezes tem países que têm dificuldade em comprar dólar e você pode estabelecer um tipo de moeda ao comércio e os bancos centrais, que façam um acerto de contas. Não estranho a curiosidade que uma discussão como essa apresenta, tudo que é novo, causa estranheza. Eu acho que tudo que é novo precisa ser testado.

Lula afirmou que caberá à equipe econômica dos dois países elaborar uma proposta de comércio exterior e transação entre os dois países. O presidente brasileiro afirmou que "a moeda em comum" será construída com muito debate e em muitas reuniões.

— A gente não pode, no meio do século 21, continuar fazendo a mesma coisa que fazia no século 20. Deus queira que nossos ministros, presidentes de bancos centrais, tenham inteligência, competência e a sensatez necessária, para que a gente dê um salto de qualidade nas nossas relações comerciais e financeiras.

Como O GLOBO mostrou, o governo brasileiro fazia questão que o texto do memorando deixasse claro que a discussão se daria em torno de uma unidade financeira comum e não de uma moeda única. A ideia do Brasil é distensionar o ruído causado com a notícia da possibilidade criação de uma moeda comum sul-americana e esclarecer que não haverá substituição da moeda dos dois países.

Durante o encontro bilateral com Fernandez, Brasil e Argentina assinaram carta de intenções e memorandos de entendimento nas áreas de saúde, ciência e tecnologia e Defesa. Também foi assinado um acordo de cooperação Antártica.