Valor Econômico, v. 20, n. 4892 03/12/2019. Legislação e Tributos. E2

 

Transação tributária tem tudo para dar certo
 Fernando Osorio

 

A recente MP 899 traz novidade para o meio jurídico-tributário com potencial para surpreender positivamente e, em nossa opinião, merece até mesmo ser ampliada por emendas legislativas para torná-la não apenas um grande foco de pacificação do contencioso tributário, mas de geração de benefícios efetivos para o país que vão além do ingresso de dinheiro nos cofres do Tesouro.

De fato, mal dá para acreditar que a chamada “transação tributária” está prevista no Código Tributário Nacional (CTN) desde 1966(!) e nunca fora implementada em lei federal ou MP. Se haverá análise caso a caso, por que não pôr na mesa diferentes questões que poderão ser negociadas e homologadas judicialmente? 

O código estabelece que a lei que regular a transação deverá indicar a “autoridade competente” que autorizará o acordo com o contribuinte para pôr fim a litígio em torno da cobrança de um tributo.

Os elementos que caracterizariam uma transação tributária além da previsão em lei federal, estadual ou municipal, conforme o tributo, e da indicação da autoridade competente para celebrar o acordo, já mencionados, são, segundo o código: a “faculdade” (e não uma imposição) ao poder público para propor ou aceitar o acordo, as “condições”, as “concessões mútuas” e a “terminação de litígio” e consequente “extinção do crédito tributário”.

A recente MP 899 deixa claro que a União “poderá celebrar transação” (faculdade), o que já mostra de início diferença fundamental em relação às leis que tratam de parcelamentos e anistias, tais como o Refis e o Pert, em que, regra geral, todos os contribuintes podem se utilizar indistintamente dos benefícios, bastando preencher os requisitos para o seu ingresso e cumprir as condições para se manter no programa.

Entretanto, quando parece que a Medida Provisória 899 irá agigantar-se, apequena-se, ao estabelecer apenas que a transação “poderá dispor” sobre “descontos”, “prazos”, “formas de pagamento” e “garantias” e aqui devemos abrir um ponto para análise porque, em nossa opinião, trata-se de o mais importante a ser tratado.

Caso se entenda que seria somente esse o conteúdo possível da transação, em que pese tratar-se de uma faculdade estatal fazer ou não acordos, na prática não será muito diferente dos programas de parcelamento que estão por aí há décadas.

De uma forma ou de outra, todos esses elementos já foram regulados anteriormente em Refis, Pert e congêneres. Por isso, pense o seguinte: o que os parcelamentos, com o mesmo tipo de conteúdo, geraram de positivo para o país? Sim, recuperou-se uma parcela de tributos devidos (ainda que na grande maioria dos casos tenha sido muitíssimo aquém  do esperado), deu-se algum fôlego para as empresas (em que pese muitas delas não terem sequer cumprido os primeiros anos no programa), mas também consolidou-se no país a cultura cuja síntese é a rima “não pague seu imposto em dia, espere pela anistia”.

No início do governo, ouviu-se mais de uma vez o ministro da Economia afirmar que não haveria espaço para Refis, muito provavelmente reconhecendo a sua pouca eficácia ou a acomodação dos contribuintes sempre à espera de um novo parcelamento ou anistia.

Neste sentido, para que a novidade seja para valer, a transação tributária não deve parecer na prática um refinanciamento de dívida com outro nome, o mesmo que querer vender “jacaré” com cabeça de lagartixa, rabo de lagartixa e pata de lagartixa.

O Código Tributário Nacional não define o conteúdo da transação, não fixa previamente quais seriam as “concessões mútuas” que poderão ser feitas com o objetivo de pôr fim a um litigio, sabiamente deixa livre a lei ou a MP para abrir o leque de possibilidades.

Com isso, podemos pensar grande porque não há espaço de manobra maior do que em uma transação; nada impede que as concessões por parte dos contribuintes possam ser de diferentes matizes. Ora, se haverá análise caso a caso, por que não pôr na mesa diferentes questões que poderão ser negociadas e homologadas judicialmente, concessões por parte do concessões por parte do contribuinte que possam compensar ou atenuar a redução da carga tributária e que sejam de relevante interesse público? Geração ou manutenção de empregos, redução de preços, aumento de oferta de crédito, reparação e preservação ambiental, ampliação de infraestrutura, prestações in natura, in labore etc.

 

Por que não colocar na conta objetivos extrafiscais? Não há óbice legal ou constitucional para isso em nossa visão. Se a transação tem a virtude de poder ser caso a caso, como é da sua natureza, não faz sentido limitá-la no seu alcance às manjadas ferramentas dos programas de parcelamentos, sob pena de termos um “novo Refis” aos olhos do público.

O governo federal ou o Congresso com suas emendas parlamentares têm a chance de tornar a transação tributária uma ferramenta sofisticada, de alcance maior inclusive do que pensaram os autores do Código Tributário Nacional, com intuito de obtenção de contrapartidas que poderão torná-la mais atraente aos contribuintes e gerar benefícios efetivos à sociedade, plenamente mensuráveis e com efeitos multiplicadores para além do quase sempre decepcionante reforço de caixa do Tesouro.