Valor Econômico, v. 20, n. 4845 26/09/2019. Política, p. A14
 

Aras é aprovado e faz ressalva a Lava-Jato
 Isadora Peron
 Renan Truffi 

 

O Senado aprovou ontem a indicação de Augusto Aras para comandar a Procuradoria-Geral da República (PGR) pelos próximos dois anos. O placar no plenário foi de 68 votos a favor, 10 contra e uma abstenção. Em edição extra do “Diário Oficial da União”, o presidente Jair Bolsonaro já o nomeou para o cargo. Apesar de ter conquistado votos entre partidos de todos os espectros políticos, Aras não conseguiu superar a expressiva votação de sua antecessora, Raquel Dodge, que deixou o cargo no último dia 17. Em 2017, ela obteve o apoio de 74 senadores.

A votação no plenário do Senado aconteceu logo depois de Aras ser submetido a uma sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Por mais de cinco horas, o subprocurador respondeu a perguntas no colegiado. No total, 21 senadores se manifestaram e, de maneira geral, o clima foi tranquilo, com raríssimos ataques ao então candidato.

O agora procurador-geral da República classificou a Lava-Jato como um “marco” no combate à corrupção do país. Ele, no entanto, falou de “excessos” e “correções” e defendeu a lei de abuso de autoridade aprovada recentemente pelo Congresso.

Para Aras, a Lava-Jato é o resultado de experiências anteriores, que não foram bem-sucedidas, como as operações Satiagraha e Castelo de Areia, ambas anuladas pela Justiça. “Esse conjunto de experiências gerou um novo modelo, modelo esse passível de correções, e essas correções eu espero que possamos fazer juntos”, afirmou.

Ao ser questionado sobre a postura do coordenador da Lava-Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, Aras afirmou que faltou um “cabeça branca” para orientar a condução das investigações. “Talvez, se houvesse lá [na Lava-Jato] alguma cabeça branca e dissesse para ele e para os colegas jovens, como ele, que nós poderíamos ter feito tudo como ele fez, mas com menos holofote, com menos ribalta”, disse.

O subprocurador, no entanto, defendeu que, apesar de “eventuais excessos”, não há porque “perseguir” os colegas que atuaram na operação. “Se os eventuais interessados na punição do colega [Dallagnol] têm o direito de buscar essa reparação, ele tem o direito de defesa.”

Apesar das ressalvas à Lava-Jato, Aras surpreendeu ao defender que é um “dever” do antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), atual Unidade de Inteligência Financeira, informar “qualquer ilícito” ou “eventuais irregularidades” aos órgãos de investigação. “Todos sabem que o servidor público lato sensu tem o dever de comunicar o conhecimento da prática de qualquer ilícito e que a pessoa privada pode comunicar ou não a existência de um ilícito”.

O entendimento contraria decisão de julho do Supremo Tribunal Federal (STF), que beneficiou, principalmente, o senador Flavio Bolsonaro (PSL-RJ), o filho mais velho do presidente. Flavio estava presente na CCJ quando Aras defendeu esse ponto de vista, mas não protestou e nem pediu direito à palavra.

Por outro lado, o subprocurador se colocou a favor do entendimento de que a indicação de filhos e parentes para cargos de natureza política não pode ser enquadrada na súmula do STF que disciplina o nepotismo.

A posição favorece o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que deve ser indicado nos próximos dias para ocupar o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Durante a sabatina, Aras também fez questão de afirmar que terá uma atuação independente e não de alinhamento ao governo. “Eu não tenho nenhum programa de alinhamento nem com presidente da República, nem com nenhuma autoridade, nem com nenhuma instituição.”

Em relação às pautas mais polêmicas, Aras afirmou que temas como aborto e a descriminalização da maconha devem ser discutidos pelo Congresso e não ser alvo de “ativismo judicial”.

Ele, no entanto, defendeu o casamento entre pessoas do mesmo sexo, disse que não acredita em “cura gay” e que cada um tem o “direito sagrado” de escolher, “na idade adequada”, sua opção de gênero.

O subprocurador foi questionado sobre o assunto pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES), que é gay e adotou um filho com o marido. “Eu quero que o senhor me responda se eu tenho família. Eu quero que o senhor me responda se eu estou doente”, disse Contarato.

O parlamentar lembrou que Aras assinou uma carta da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), em que se comprometia a ser contra o “casamento gay e poliamor”.

Aras justificou dizendo que não tinha lido a “pauta inteira”. “Não quero jamais dizer a Vossa Excelência nem a ninguém que não tenha família. Isso não passa pela minha cabeça. Eu sou um cidadão deste tempo. Eu não posso deixar de compreender todos os fenômenos sociais, todos os fenômenos humanos que possam ser apreensíveis cognitivamente. E posso dizer que eu respeito muito o senhor”, disse.

Aras também se manifestou sobre ideologia de gênero, tema que encontra resistência no bolsonarismo. “Eu não entendo essa dinâmica intitulada cura gay como algo científico. Eu entendo que a Medicina já busca, em várias áreas, compreender a identidade de gênero não só a partir de homem e mulher, mas compreender o direito sagrado de cada cidadão escolher, na idade adequada e sem influência de quem quer que seja, fazer a sua opção de gênero. Então cura gay é uma dessas artificialidades para a qual eu não tenho nenhuma consideração de ordem científica”, disse.

Na sabatina na CCJ, Aras evitou chamar de “golpe” a deposição do presidente João Goulart, em 1964. Aras foi questionado sobre o assunto pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), mas preferiu chamar o fato histórico de “movimento”.

“O movimento de 1964 teve apoio da sociedade brasileira, então, discutirmos esse ponto sob golpe de estado ou revolução, não me parece adequado. A gente tem que compreender que o movimento de 1964 foi protagonizado pela sociedade civil e membros dos Congresso Nacional”. Em seguida, ele ponderou que enxergou “cerceamento de liberdade” apenas em 13 de dezembro de 1968, com a edição do Ato Institucional nº 5, que determinou o fechamento do Congresso Nacional e marcou o endurecimento da ditadura.

Em relação a temas econômicos, Aras disse que iria tratar a lei de royalties com “cuidado” e “cautela”. O assunto deve ser discutido pelo STF em novembro.

Logo no início da sabatina, o subprocurador afirmou que deixou a sociedade do escritório de advocacia da sua família na Bahia e que havia entregado a sua carteira à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).