Valor Econômico, v.20, n. 4918, 14/01/2020. Política p.A5

 

Jovem Aprendiz passará por revisão


Entre as propostas está liberar o trabalho aos domingos e feriados


Por Raphael Di Cunto, Marcelo Ribeiro e Edna Simão

 

A Câmara dos Deputados prepara, em parceria com a equipe econômica do governo, uma reformulação na lei do Jovem Aprendiz, programa voltado à contratação e capacitação de estudantes entre 14 e 24 anos. Entre as propostas está liberar o trabalho aos domingos e feriados, que o contrato possa durar mais de dois anos e a realização de aulas à distância (EAD).

O projeto é parte da “agenda social” desenvolvida com o apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e foi apresentado por 17 líderes partidários nas vésperas do recesso parlamentar. Uma comissão especial discutirá a proposta a partir de fevereiro e a intenção do futuro relator, o deputado Marco Bertaiolli (PSD-SP), é votá-lo ainda no primeiro semestre.

O texto foi elaborado pela assessoria de Bertaiolli após sugestões de diversas entidades do setor, de empresas, como Magazine Luiza e Unilever - que, procuradas pelo Valor, não se manifestaram-, do Ministério da Economia, de juízes e procuradores do Trabalho e acabou apresentado com apoio de diversos partidos, da base (PSL), de centro (como PP, DEM e PSDB) e da oposição (PDT, PSB e PCdoB).

O jovem aprendiz é contratado pelas empresas por meio de uma entidade de qualificação, como o Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee), ou do Sistema S, como Senac. Ele é contratado pela CLT, mas tem carga horária reduzida e precisa fazer cursos teóricos sobre a profissão que está exercendo. O contrato de trabalho é de, no máximo, dois anos.

O projeto promove uma série de mudanças e atualizações na Lei da Aprendizagem, que completa 20 anos agora. Um dos principais pontos é simplificar a definição de quantos aprendizes cada empresa deverá contratar.

Hoje calcular esse número é tarefa que exige um contador a parte, diz Bertaiolli. “E há empresas que, mesmo fazendo tudo direitinho, acabam respondendo a ações por causa da complexidade”, destaca. Pelo projeto, haverá uma cota que variará entre 3% dos empregados (para empresas com mais de 7,5 mil funcionários) e 15%.

Apesar de defender a modernização da lei, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) avalia que a definição da cota deveria contemplar apenas as ocupações que exigem formação técnico-profissional e não a totalidade dos empregados das empresas, como prevê a proposta. “Além de afastar o necessário caráter educacional da aprendizagem, da forma como está, a proposição onera as empresas e amplia a insegurança jurídica para o cumprimento da legislação”, disse a entidade em nota.

Valor apurou que o governo quer usar o projeto para ajustar as cotas em áreas que exigem formação específica, como segurança, empresas de ônibus e de cargas pesadas, onde há dificuldade de contratação por causa das restrições desses tipos de atividade.

Outro item que deve levantar mais polêmica é permitir que os aprendizes com mais de 18 anos de idade trabalhem aos domingos e feriados, medida que o governo já tenta implementar para todos os demais trabalhadores por meio da medida provisória (MP) do Emprego Verde e Amarelo. A lei atual não veda, mas uma instrução normativa do extinto Ministério do Trabalho proíbe isso no caso dos aprendizes.

O superintendente Nacional de Operações do Ciee, Marcelo Gallo, defende a liberação e diz que hoje há insegurança jurídica porque a instrução normativa não seria o instrumento adequado para dispor sobre isso. “Há setores como hotelaria, comércio e serviços que não param aos domingos e feriados e é positivo que o jovem possa atuar nesses dias”, disse. O projeto deixa como obrigatória uma folga aos domingos a cada mês.

Já a coordenadora nacional da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente do Ministério Público do Trabalho, Ana Maria Villa Real, critica essa abertura. “Mesmo com idade superior a 18 anos, não é compatível que o profissional de aprendizagem trabalhe aos finais de semana porque ele precisa estudar”, diz.

Ana Maria afirma que o órgão foi ouvido no início da formulação do projeto e que “o texto inicial tinha ficado muito bom”, mas que outras instituições foram consultadas depois e sugeriram alterações que o MPT não concorda. Uma delas é a centralização da cota, que, na opinião dela, tira a capilaridade da profissionalização, impedindo que alcance zonas periféricas. A ausência de prazo para o contrato de pessoas com deficiência como aprendizes, afirmou, precariza a situação desses profissionais “porque os deixa eternamente na posição de aprendizagem”.

Há também alterações nas regras de realização dos cursos. Um ato infralegal determinou que as aulas teóricas fossem ampliadas de 20% do tempo (ou seja, um dia a cada semana) para 30%. Isso tornou mais complicada a divisão dos dias, diz Bertaiolli, e a intenção é voltar ao modelo anterior, com quatro dias de atuação na empresa e um de aula.

Ainda será permitido que até 50% das aulas teóricas sejam realizadas na modalidade de ensino à distância (EAD). Hoje até existe essa possibilidade, mas apenas em locais onde não há entidades de qualificação. A mudança é positiva, destaca Gallo, do CIEE, mas a regra prevista no projeto “está confusa” e é preciso que seja aperfeiçoada. “Não somos contra, mas merece cautela e melhor formulação”, pontua.

Além disso, há mudanças que visam desburocratizar as contratações. A empresa poderá demitir o aprendiz num prazo de 90 dias, igual ao que ocorre com os demais trabalhadores, sem precisar de um parecer da entidade de qualificação. Hoje a legislação só permite demissões em alguns casos, como ser reprovado no curso, situações que justificariam um desligamento por justa causa ou inépcia - mas ainda é preciso aval da entidade.

Outra medida é permitir que, se abrir uma vaga na empresa, o contrato de aprendiz possa ser transformado em por tempo indefinido, como o de um trabalhador comum. Atualmente essa conversão só pode ocorrer ao fim do contrato de aprendiz ou se o estudante pedir o desligamento e depois ser contratado, o que demora mais. “Se ele tiver que esperar até o fim do contrato, nada garante que ainda haverá uma vaga”, diz Gallo.

O aprendiz também poderá ter um contrato maior que dois anos, hoje o limite máximo, desde que ainda não tenha completado os 18 anos de idade. A ideia é evitar que um jovem de 14 anos tenha que deixar a empresa aos 16 anos por ainda não ter idade suficiente para ser contratado. Acima dos 18 anos, continuará a valer o prazo de um biênio.

Bertaiolli afirma que o projeto servirá de base, mas poderá ser aperfeiçoado ao longo das discussões na comissão especial. “Pretendo trabalhar para que a comissão seja instalada em fevereiro e conclua o debate em, no máximo, 90 dias para votarmos em plenário ainda no primeiro semestre”, planeja.