Valor Econômico, v. 20, n. 4844 25/09/2019. Finanças, p. C1

Ata ameniza empolgação com cortes da Selic
Victor Rezende
Lucas Hirata

 

Os pontos de atenção trazidos pela ata da última decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central esfriaram a empolgação dos investidores com apostas muito mais agressivas de cortes nas taxas de juros. O colegiado reforçou que o ambiente é favorável para a flexibilização monetária e manteve sobre a mesa o cenário de que a taxa Selic deve continuar a cair nos próximos meses. Mas apontou riscos no exterior e seus efeitos sobre o câmbio, que não estavam explícitos no comunicado da decisão, divulgado na semana passada.

Apesar de reiterar que o cenário externo se manteve relativamente favorável para a condução da política monetária em economias emergentes, o Copom indicou que “o risco de cenários adversos para ativos de risco parece ter se intensificado”. Além disso, o colegiado se mostrou atento à movimentação do dólar e às formas como o câmbio pode afetar os preços futuramente.

Se essa discussão estivesse presente no comunicado, “a resposta do mercado teria sido um pouco menos intensa”, diz Roberto Secemski, economista-chefe para Brasil do Barclays. Na semana passada, os investidores correram para reforçar as apostas numa queda intensa da taxa básica de juros, talvez abaixo de 5%. O principal catalisador do movimento, que foi dosado ontem, foram as projeções de inflação do Copom que ficaram abaixo da meta de 4% em todos os cenários traçados para 2020.

Na avaliação de Secemski, o cenário “plausível” é o de que a Selic termine o ano em 4,75%, “a não ser que haja um enfraquecimento significativo do real nas próximas semanas”. O Barclays espera que o dólar termine o ano em torno de R$ 4,15.

Os economistas Cassiana Fernandez, Vinicius Moreira e Cristiano Souza, do J.P. Morgan, também notam que a discussão sobre os riscos vindos do cenário externo “sugerem que o BC pode optar por maior cautela no fim do ciclo de afrouxamento”. Mesmo assim, eles ainda esperam que o ciclo de cortes na Selic tenha continuidade e projetam o juro básico a 4,75% em dezembro.Para o J.P. Morgan, a ata “reforçou o espaço limitado para impulso à economia diante da necessidade de se continuar com a consolidação fiscal”.

Os riscos mencionados pelo Copom para os ativos de risco foram interpretados por analistas como um ponto de atenção com a depreciação do câmbio. O Itaú Unibanco, por exemplo, decidiu manter sua estimativa de que haverá apenas mais um corte de 0,50 ponto porcentual no juro básico, que já ocorrerá em outubro. Para os analistas, a ata “limita, por enquanto, qualquer indicação de que o Copom possa testar níveis de taxas de juros ainda mais baixos”. Assim, o banco manteve a estimativa de que a Selic ficará em 5,00% no fim deste ano.

Ao fazer referência aos níveis do câmbio, o Copom indica que não está indiferente à depreciação cambial, diz Tomás Goulart, economista-chefe da Novus Capital. “A ata desmistificou um pouco o comunicado nesse sentido. Não é possível dizer que o BC não esteja preocupado com o câmbio, mas sim que é um movimento  menos inflacionário do que as pessoas estavam supondo”, aponta Goulart.

O economista da Novus pontua que a queda do juro de equilíbrio da economia - aquele que produz o máximo de crescimento sem inflação - e os cenários do Copom para os preços livres “mostram que o BC está tranquilo e que a taxa neutra de juros está menor”, o que possibilitaria à Selic terminar o ano em 4,50%, mesmo com o dólar em torno de R$ 4 tanto no fim deste ano quanto em dezembro de 2020.

A Garde Asset Management foi outra gestora que manteve suas projeções inalteradas após a ata e continua a esperar que, no ano que vem, o juro básico caia à mínima histórica de 4,00% - uma das expectativas mais agressivas entre os analistas.

A flexibilização monetária adotada pelo Copom, contudo, tem como riscos o aumento dos preços em itens não comercializáveis, como serviços e alguns alimentos in natura, além da depreciação do real. Essa é a avaliação do estrategista sênior para emergentes do Standard Chartered, Ilya Goldshteyn. Em relatório enviado a clientes, ele afirma que não concorda com o tom mais favorável aos cortes de juros adotado pelo BC, mas destaca a preocupação da autarquia com o cenário global de desaquecimento da economia.

“O BC enfatiza fortemente as expectativas de inflação, que voltaram a cair. Se o real continuar com um desempenho fraco e os custos dos insumos aumentarem, as expectativas podem começar a subir ainda mais. Vemos isso como um risco subestimado para a precificação dos DIs de curto prazo”, alerta Goldshteyn.

Ontem, a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2020 ficou praticamente estável, passando de 5,11% para 5,095%. Já a do DI para janeiro de 2021- que registrou a queda mais intensa na semana passada - subiu de 5,01% para 5,02%.