Valor Econômico, v.20, n. 4926, 24/01/2020. Legislação & Tributos p.E2

 

Investigações internas na era do WhatsApp
 

Pode a empresa monitorar e ler mensagens de WhatsApp de funcionários em uma investigação interna?

 

Alberto Monteiro

Evelyn Rolo

Não é exagero dizer que o WhatsApp, assim como outros aplicativos de mensagem instantânea, mudou a vida do brasileiro na última década. Termos como “fake news” e “emojis” estão hoje presentes na vida de cidadãos de todas as classes sociais, ao menos nos centros urbanos.

O aplicativo de mensagens transformou a dinâmica social em diversas dimensões, desde relacionamentos afetivos até a forma como escolhemos representantes políticos. Um dos inúmeros impactos dos aplicativos refere-se à forma como empresas conduzem investigações internas.

Expliquemos: é comum que empresas recebam denúncias de irregularidades internas, desde casos de assédio até esquemas de propina. Quando a denúncia é grave o suficiente, empresas com boas práticas de compliance costumam iniciar um procedimento de investigação interna para apurar o ocorrido.

Segundo as melhores práticas, uma investigação interna envolve a análise de documentos e e-mails relevantes, seguida de entrevistas com os envolvidos, para se chegar a conclusões.

Contudo, a popularidade do WhatsApp, por exemplo, na vida do brasileiro vem alterando esse procedimento padrão. Comunicações antes feitas via e-mail corporativo hoje são feitas via aplicativos de mensagens. O funcionário que comete uma irregularidade normalmente procura comunicar-se usando meios mais informais. A escolha dos aplicativos em detrimento do e-mail é natural.

A pergunta que surge é: pode a empresa monitorar e ler mensagens de WhatsApp de funcionários em uma investigação interna? A resposta é sim, desde que possua normas internas bastante claras sobre o tema.

caso do monitoramento de e-mails corporativos, por exemplo, a Justiça do Trabalho permite o controle pelo empregador na medida em que equipara o e-mail a uma ferramenta de trabalho, de propriedade da empresa e não do empregado. O Tribunal Superior do Trabalho já reconheceu que o acesso pelo empregador a e-mails do empregado não viola o sigilo de correspondência e a privacidade. O objetivo do monitoramento dos e-mails dos empregados é não apenas proteger informações confidenciais, mas também um mecanismo da empresa para mitigar danos perante terceiros, pelos quais é responsável.

 

Não há muitos julgados na Justiça do Trabalho sobre monitoramento de mensagens de empregados via aplicativos, como o WhatsApp, o que pode dar margem a insegurança jurídica. Diferente do e-mail, o aplicativo é comumente visto como meio mais informal de comunicação, o que pode gerar certa expectativa de privacidade.

É provável que a Justiça do Trabalho utilize o mesmo racional aplicado aos e-mails quando o WhatsApp for instalado em dispositivo de propriedade da empresa, vinculado à linha telefônica corporativa para uso profissional do empregado. Nesta hipótese, o direito de propriedade da empresa, dona da linha e do aparelho, justifica o monitoramento. Porém, o empregado deverá ser previamente informado sobre a possibilidade de acesso pelo empregador e a destinação profissional da linha conferida.

Assim, é altamente recomendável que empresas que concedam aparelho com aplicativos de mensagem a seus empregados possuam política interna de seu uso informando claramente ao empregado aquilo que é permitido ou proibido, além de prever medidas disciplinares em caso de descumprimento. Outra cautela é criar contas de perfil profissional (WhatsApp for Business, por exemplo) para empregados que interajam com pessoas fora da empresa.

E não basta uma política escrita. A empresa deve ter atitudes coerentes com a política, com aplicação de penalidades nos casos de descumprimento e realização de treinamentos. Se uma empresa passar anos permitindo uso indiscriminado do telefone corporativo, sem alertar o empregado, pode ser difícil convencer um juízo trabalhista de que o monitoramento se justifica em um caso específico.

Além das questões trabalhistas, há impactos práticos de técnica de investigação. Por exemplo, contas de e-mail corporativo possuem backup (cópia) das mensagens trocadas, permitindo que a empresa tenha acesso e-mails mesmo que tenham sido apagados. Já no caso do WhatsApp, o controle da preservação das mensagens trocadas está ao alcance do dedo do usuário, que pode apagar mensagens sem deixar rastros. Além disso, e-mails corporativos permitem que empresas acessem mensagens remotamente via servidor, enquanto no caso do WhatsApp normalmente é necessário que a empresa tenha acesso físico ao aparelho do funcionário. Por outro lado, as técnicas de filtragem por “palavras chave” são perfeitamente aplicáveis a mensagens de aplicativo para separar materiais úteis dos irrelevantes.

Esses aplicativos mudaram a forma como a sociedade contemporânea se comunica e compartilha informação. Caso uma empresa tome a decisão de disponibilizar aparelho corporativo a funcionários como ferramenta de trabalho, é muito importante que isso seja acompanhado de políticas e práticas internas claras sobre os limites de uso. Esse cuidado pode ser fundamental no caso de uma situação de crise interna, para que a empresa consiga acessar o material para elucidar os fatos.