Valor Econômico, v. 20, n. 4844 25/09/2019. Brasil, p. A3

 

Bolsonaro ataca França, mídia, ONGs e a própria ONU
  Daniel Rittner
  Jussara Soares


 

Em sua estreia na tribuna das Nações Unidas, o presidente Jair Bolsonaro deixou de lado a expectativa de conciliação e fez um discurso polêmico, com ataques à França e questionando a eficácia da própria ONU, colocando o socialismo como ameaça a ser combatida e fazendo exaltações ao regime militar no Brasil, com uma série de referências religiosas e insistindo na ideia de que questionamentos internacionais sobre a Amazônia são contaminados por interesses econômicos.

O pronunciamento reforçou a ala ideológica do governo, que teve influência decisiva em sua construção. Coube ao quarteto formado pelos ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), ao deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e ao assessor internacional Filipe Martins a maior parte das contribuições. De acordo com assessores, no entanto, o próprio presidente fez questão de deixar o discurso com a sua cara e evitar uma fala artificial.

“Os ataques sensacionalistas que sofremos por grande parte da mídia internacional devido aos focos de incêndio na Amazônia despertaram nosso sentimento patriótico”, disse Bolsonaro, na abertura da Assembleia Geral da ONU. “É uma falácia dizer que a Amazônia é patrimônio da humanidade e um equívoco, como atestam os cientistas, afirmar que a nossa floresta é o pulmão do mundo.”

O presidente mirou, então, no colega francês Emmanuel Macron - sem mencioná-lo diretamente. “Valendo-se dessas falácias, um ou outro país, em vez de ajudar, embarcou nas mentiras e se portou de forma desrespeitosa, com espírito colonialista”, afirmou Bolsonaro. “Um deles, por ocasião do encontro do G-7, ousou sugerir aplicar sanções ao Brasil, sem sequer nos ouvir.”

O brasileiro impôs um tom bastante incisivo ao falar de ONGs que, segundo ele, “teimam em tratar e manter nossos índios como  discordou das afirmações. Ela frisou que respeita a soberania do Brasil e defendeu o desenvolvimento sustentável das florestas tropicais como alavanca para a prosperidade econômica.

“Não concordaria totalmente com muitas coisas que ele falou”, disse. “A preservação das florestas tropicais pode também levar ao desenvolvimento econômico de suas áreas. Nós temos uma preocupação com o futuro delas e queremos ajudar a salvá-las, trabalhando em conjunto e respeitando inteiramente a soberania do Brasil.”

A Noruega, que já colocou mais de R$ 3 bilhões no Fundo Amazônia em dez anos, deixou as portas abertas para voltar a contribuir - os repasses foram suspensos em agosto. “Esperamos continuar com essa parceria. Gostaríamos imensamente de cooperar.”

Já Macron preferiu manter o silêncio e evitar enfrentamento com Bolsonaro. Enquanto voltava para a sede da ONU, em uma caminhada de três quadras, ele foi questionado duas vezes pelo Valor sobre o discurso do brasileiro. Olhou para a reportagem e disse que não responderia. Antes, havia afirmado que “não é lobby ou interesse” o desejo de ajudar no combate ao desmatamento na Amazônia.

Ao analisar o discurso do chefe, o ministro Augusto Heleno disse classificou como “enérgico”, mas “muito cordial”. “Acho que a repercussão vai ser muito boa. Também, a repercussão com os nossos adversários sendo ruim, é sinal de que o discurso foi muito bom.”

Em entrevista à TV Bandeirantes, Bolsonaro disse que seu discurso não foi agressivo. “Foi objetivo. É que cada vez mais as pessoas não estão preparadas para ouvir a verdade. A verdade me elegeu no Brasil. Eu mantive a linha.” Ele classificou como positivo o balanço da viagem.

Outros recados, bem como aparentes contradições, foram notados no discurso de Bolsonaro. Ao atacar seus antecessores “socialistas” que

Na semana em que a menina Ágatha Félix morreu por uma bala perdida que partiu de policiais, no Rio de Janeiro, lamentou que 400 PMs tenham sido assassinados em 2017. Diante de uma plateia composta em grande parte por muçulmanos, lamentou a perseguição religiosa a missionários cristãos. E colocou em xeque a própria ONU: “Não estamos aqui para apagar nacionalidades e soberanias em nome de um interesse global abstrato”.