Valor Econômico, v. 20, n. 4843 24/09/2019. Política, p. A6
 

Política de segurança pública do governo do Rio é contestada no STF e STJ
 Luísa Martins

 

Partidos de oposição fazem uma ofensiva nos tribunais superiores contra a política de segurança pública do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), após a morte da menina Ágatha Félix, de 8 anos, durante ação policial no Complexo do Alemão, na capital fluminense. Ontem, os presidentes do PT, Psol, PCdoB, PDT e PSB impetraram notícia-crime no Superior Tribunal de Justiça (STJ) - foro responsável por julgar governadores - contra o que chamaram de “política de extermínio” de Witzel na periferia do Rio.

As siglas  querem que o governador responda pelos crimes que vêm sendo praticados pela Polícia Militar (PM) “com seu aval, estímulo e fomento” - e dizem contar com uma resposta do Poder Judiciário “para fazer cessar essa guerra aberta, cuja vítima é a sociedade”.

Em outra frente, o Supremo Tribunal Federal (STF) aguarda apenas um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) para liberar para julgamento em plenário uma ação protocolada pelo Psol contra os projetos de Witzel para a área de segurança.

O presidente nacional do Psol, Juliano Medeiros, disse ao Valor que “seria muito importante o STF fazer um gesto à sociedade de que não vai mais tolerar crimes cometidos por agentes de Estado contra inocentes”.

O STF vai julgar se o Estado foi omisso na garantia de direitos fundamentais (à vida e à dignidade humana, por exemplo) e se deve elaborar um novo plano, que inclua a redução dos índices de homicídios praticados por policiais. A Corte também vai avaliar a possibilidade de o governo ressarcir danos, inclusive morais, causados aos cidadãos.

Foram anexadas ao processo diversas declarações públicas nas quais o governador dá aval para que a polícia “abata bandidos” e “mire na cabecinha”. Segundo o Instituto de Segurança Pública do Rio, a PM matou 434 pessoas de janeiro a março, o maior índice em 21 anos.

Em despacho, o ministro Edson Fachin (relator) considerou “graves” os fatos narrados na petição. Segundo ele, a jurisprudência do STF prevê que “nenhuma pessoa pode ser arbitrariamente privada de sua vida”. O ministro também mencionou parecer da ONU segundo o qual, no Brasil, “quase nenhuma medida foi tomada para resolver o grave problema de confrontos no exercício da atividade policial”.

A Advocacia-Geral da União (AGU) diz que as manifestações de Witzel estão protegidas pelo princípio da liberdade de expressão. O próprio governador defendeu que “inexiste estado de barbárie” e que sua política de segurança “cumpre o papel do Estado na repressão ao regime de terrorismo urbano que criminosos impõem à população”.

O plenário do Supremo deve julgar em 9 de outubro, uma ação da Associação dos Delegados de Polícia Civil (Adepol) que pede que, “em tempos de paz”, membros da PM sejam considerados militares para efeitos penais - cabendo às Polícias Federal e Civil dos estados, e não pela Polícia Judiciária Militar, a instauração de inquérito para investigar mortes por eles provocadas. O processo tramita na Corte há mais de dez anos.

Se o STF julgar procedente a ação, o julgamento final dos PMs passaria a ser feito pelo Tribunal do Júri, e não pela Justiça Militar. Há outra ação na Corte sobre o tema, ajuizada ano passado pelo próprio Psol. O partido e a Adepol pedem que elas sejam julgadas em conjunto.

A Corte deverá decidir também sobre a constitucionalidade de uma lei do Código Penal Militar que afasta a competência do Tribunal do Júri se o crime for praticado durante atividade de natureza militar ou de operação de paz. A alegação do Psol é a de que a norma afronta o princípio constitucional da igualdade perante a lei e relativiza o devido processo legal, além de violar diversos tratados internacionais sobre a preservação de direitos humanos. A PGR já se manifestou pela nulidade da lei, a qual considera uma espécie de foro privilegiado.