Valor Econômico, v. 20, n. 4950, 29/02/2020. Brasil, p. A2

Sem ajuda do MEC, um terço dos Estados testam plano próprio de alfabetização

Hugo Passarelli 


Pelo menos um terço dos Estados brasileiros trabalham em projetos para melhorar os resultados de alfabetização sem ajuda do governo federal. As iniciativas têm ganhado corpo desde o ano passado e avançam enquanto o Ministério da Educação (MEC) tenta tirar do papel o Plano Nacional de Alfabetização (PNA), gestado desde o início do governo de Jair Bolsonaro.

Com apoio do terceiro setor, a maioria dos entes tenta aproximar as redes estaduais das municipais e garantir apoio às prefeituras em questões técnicas, como a elaboração de material escolar e a formação dos professores.

Parte relevante dos programas inclui mudar a legislação estadual para garantir repasse de parte do ICMS por critérios de desempenho escolar, replicando algo já testado no Ceará.

Há duas semanas, o MEC apresentou o Tempo de Aprender, principal ação da PNA, cuja eficácia ainda é vista com cautela por especialistas. Primeiro, porque há uma desconexão entre a intenção do governo federal e o que está sendo testado pelos entes federados. Também há dúvidas se o plano terá fôlego para ir adiante mesmo entre aqueles que defendem a formulação teórica apresentada pelo MEC.

“Tem um bom começo, mas a estratégia de implementação é que me parece inadequada e com pouca chance de sucesso”, afirma João Batista de Oliveira Jr., presidente do Instituto Alfa e Beto. Oliveira é um dos defensores mais conhecidos no Brasil do que é chamado de método fônico de alfabetização, que prioriza a relação entre sons e letras.

Esta metodologia tem sido encampada pelo MEC desde a criação da Secretaria de Alfabetização no ano passado, subdivisão da pasta comandada por Carlos Nadalim. Embora conte com respaldo técnico, o método fônico está longe de obter consenso entre os educadores do país.

A cisão sobre a melhor maneira de alfabetizar as crianças não é exclusividade do Brasil e já ocorreu em outros países. Uma das diferenças por aqui é o alto caráter ideológico incorporado à questão. O método fônico já foi classificado por Abraham Weintraub, ministro da Educação, como a “alfabetização da direita”.

Enquanto o sinal de Brasília é difuso, Alagoas, Amapá, Pernambuco e Sergipe já aprovaram em suas Assembleias programas que mesclam o regime de colaboração e a lei de ICMS. No Espírito Santo, a primeira parte do projeto já foi iniciada, restando apenas a mudança na legislação, o que deve ocorrer em 2020. Mato Grosso do Sul, Maranhão e Piauí desenham planos semelhantes e devem apresentá-los neste ano. A implementação em todos é resultado de uma parceria com o Instituto Natura, Instituto Bem Comum e a Fundação Lemann.

O Estado de São Paulo não tem uma política de aproximação com os municípios como os demais. Mas já tramita na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) um projeto de lei para alterar o repasse de ICMS.

Apesar da experiência exitosa do Ceará, a ideia é adaptar o projeto às particularidades de cada região. “Não é um pacote fechado, os Estados podem, por exemplo, definir os percentuais mais adequados para repasse de ICMS e um período de transição para evitar perdas de arrecadação”, afirma David Saad, diretor-presidente do Instituto Natura.

Segundo Saad, uma das preocupações é garantir que as redes municipais recebam, de fato, o apoio necessário para promover a melhora dos índices de alfabetização. “O ICMS sozinho não é capaz de resolver tudo”, afirma.

Apesar do sucesso da educação no Ceará, especialistas questionam se o modelo é totalmente replicável. Uma das dúvidas é se há evidências suficientes para saber o efeito na aprendizagem de cada ação adotada por lá.

Saad reconhece a percepção, mas minimiza as chances de fracasso dos programas estaduais de alfabetização. “Nós poderíamos fazer estudos para mensurar cada aspecto da política do Ceará, mas levaria tempo. Por isso, decidimos sugerir todo o pacote aos Estados”, afirma.

No Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), foi criada uma frente de trabalho para disseminar o trabalho conjunto entre os

Estados e municípios. “O regime de colaboração, se vai interferir ou não na legislação do Estado, tende a ser uma agenda comum para todo o país. Hoje vemos, inclusive, uma tendência de que ele vá se espalhando para todos os entes da federação”, afirma Márcio Brito, um dos coordenadores da Frente de Regime de Colaboração do Consed.

Segundo Brito, a ideia é trazer os Estados como corresponsáveis da política de educação. “É importante que os secretários estaduais atuem como provedores e mobilizadores das políticas para que não tenhamos só ilhas de excelência, e, sim, que um conjunto de municípios tenha acesso a fatores como boa formação dos professores”, afirma.