Valor Econômico, v.
20, n. 4912, 04/01/2020. Especial, p. A12]
Governo age no STF
para evitar revés em plano de ferrovias
Daniel Rittner
Murillo Camarotto
O governo mobilizou suas forças e já procurou pelo menos quatro ministros do
Supremo Tribunal Federal (STF), nas últimas semanas, para evitar uma derrota no
julgamento mais importante para seus planos na área de infraestrutura.
Estão em jogo mais de R$ 25 bilhões de potenciais investimentos nas ferrovias
que já pediram a renovação antecipada dos seus contratos de concessão.
A constitucionalidade
da Lei 13.448 de 2017, que abriu caminho para as prorrogações, foi
questionada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). O presidente do
Supremo, Dias Toffoli, agendou para o dia 20 de fevereiro a análise da ação em
plenário.
Apesar do desfecho
ainda desconhecido, o cenário já foi mais promissor para as concessionárias e
para o governo, que tem as extensões contratuais como prioridade. No fim de
novembro, o Tribunal de Contas da União (TCU) deu sinal verde para mais 30 anos
de concessão da Malha Paulista, controlada pela Rumo, em troca de investimentos
estimados em até R$ 7 bilhões. A notícia foi recebida com entusiasmo pelo
governo, que esperava ter limpado o terreno para outros pleitos bilionários,
como o das ferrovias operadas pela Vale.
Poucos dias depois, no
entanto, veio a público um relatório da área técnica do TCU colocando em xeque
a prorrogação da Estrada de Ferro Carajás (EFC), uma das duas concessões da
mineradora - a outra é a Vitória-Minas.
Outro sinal de alerta
para o governo vem agora com o posicionamento adotado pelo
procurador-geral da República, Augusto Aras. Ele disse ao Valor que manterá a
linha de sua antecessora, Raquel Dodge, autora da ação de
inconstitucionalidade, e que está preparado para sustentar a defesa de nova
licitação das ferrovias.
Dodge pediu a
suspensão de três dispositivos da lei: o artigo 6º (as concessionárias
poderão renovar seus contratos cumprindo apenas parte dos requisitos de
segurança e produção ao longo do tempo); o artigo 25º (que permite ao governo
celebrar os novos contratos sem arrendamento dos bens existentes, repassando
todos os ativos à concessionária); e o artigo 30º (com a possibilidade de
investimentos cruzados, ou seja, em outros trechos ferroviários).
“O nosso entendimento
é o mesmo, não alteramos nada”, afirmou Aras. “Os valores são os mesmos:
assegurar o processo licitatório e a garantia de igualdade entre todos no
certame. Em segundo, a liberdade de concorrência, sem privilegiar quem já se
encontra lá de modo a se perpetuar na concessão. E terceiro: liberdade de
iniciativa. Se não há essa liberdade de concorrência, fere-se a liberdade de
iniciativa.”
Pautado inicialmente
para 11 de dezembro, o julgamento foi adiado. Com receio de ver seus planos
frustrados na agenda de ferrovias, o governo deflagrou uma ofensiva no STF. Os
ministros Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura) e André Mendonça
(Advocacia-Geral da União) expuseram pessoalmente seus argumentos para Toffoli,
Gilmar Mendes, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso.
Ao Valor Mendonça
disse que o artigo 175 da Constituição assegura a possibilidade de prorrogação
dos contratos. “As renovações vão permitir o maior programa de
redimensionamento da infraestrutura logística no Brasil, resgatando tanto investimentos
como empregos e permitindo o escoamento mais barato da produção”, afirmou o
titular da AGU.
Além de modernizar a
Malha Paulista, com investimentos como a duplicação de um trecho de 111
quilômetros entre Itirapina e Campinas, o governo prevê usar a renovação de
outras concessões para tirar do papel as obras da Ferrovia de Integração do
Centro-Oeste (Fico) e pelo menos parte da Vitória-Rio. Elas seriam
contrapartidas do setor privado ao direito de explorar as atuais
concessões por outros 30 anos. “Temos bons argumentos e estamos confiantes em
um desfecho favorável”, acrescentou Tarcísio Freitas.
No mercado, uma
avaliação é que o governo tentaria assinar com a Rumo, antes do julgamento no
STF, o aditivo contratual da Malha Paulista. A Agência Nacional de Transportes
Terrestres (ANTT) está fazendo os ajustes determinados pelo acórdão do TCU na
versão inicial do contrato.
Por isso, a Frente
Nacional pela Volta das Ferrovias (Ferrofrente) pediu à relatora do caso,
ministra Carmen Lúcia, uma medida cautelar enquanto o plenário não decide,
alegando periculum in mora (perigo da demora). “O tempo está passando a favor
das concessionárias, o que é péssimo para o Brasil”, diz o presidente da
entidade, José Manoel Ferreira Gonçalves. “Não podemos conviver com o jeitinho
que a Lei 13.448 instituiu no setor ferroviário, mantendo de forma
indevida concessionárias incompetentes na prestação de serviços
estratégicos na integração nacional, como é o caso das ferrovias.”
Em dezembro, a Associação
Brasileira do Agronegócio (Abag) se posicionou contra um exame monocrático da
questão por Carmen Lúcia e elencou razões para defender as renovações das
ferrovias. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) se
pronunciou no mesmo sentido.