Valor Econômico, v. 20, n. 4912, 04/01/2020. Opinião, p. A10

Otimismo moderado para 2020

Gustavo Loyola


O ano que se inicia tem tudo para ser positivo para a economia brasileira, com a retomada mais robusta e disseminada da atividade. Porém, há riscos relevantes que podem atrapalhar a recuperação da economia, alguns deles de natureza externa ao Brasil, mas muitos relacionados a questões políticas domésticas.

Não há dúvida que encerramos 2019 com uma série de conquistas no campo da economia. O principal aspecto a destacar, a meu ver, foi a continuidade da postura responsável na condução das políticas fiscal e monetária que havia sido resgatada com o impeachment da presidente Dilma e sua substituição por Temer. Por sua vez, no âmbito das reformas, o destaque fica com a reforma da previdência, que vem com pelo menos 20 anos de atraso, mas que abre caminho para o retorno à geração de superávits primários sustentáveis e redução do endividamento público como proporção do PIB.

De fato, os indicadores de 2019 exibem sinais evidentes de melhora da economia brasileira. No campo monetário, graças à inflação controlada e manutenção da credibilidade do Banco Central, foi possível derrubar a taxa Selic ao seu menor nível histórico, o que abriu um amplo espaço para a recuperação da demanda agregada e alargamento do mercado de crédito. No lado fiscal, o déficit primário deve ficar em seu menor nível em cinco anos. Por sua vez, a atividade econômica apresentou sinais relevantes de aceleração nos últimos meses do ano passado, como por exemplo, o aumento da abertura de vagas formais de emprego registradas no Caged e o melhor desempenho da produção industrial e das vendas no varejo.

Certamente, o ritmo da recuperação em 2019 ainda é insatisfatório, como atesta o elevado nível de desemprego mostrado nas estatísticas do IBGE, assim como a persistência de alta informalidade no mercado de trabalho. Porém, muito embora o crescimento do PIB de 2019 deva ter ficado em torno de apenas 1,2%, praticamente no mesmo patamar do ano anterior, a tendência de aceleração da atividade na margem é inegável. A propósito, refletindo esse fato, o Índice de Confiança Empresarial medido pelo FGV mostrou em dezembro último o melhor resultado desde 2014, no que tange a percepção dos empresários sobre o estado atual dos negócios.

Por tudo isso, parece muito provável que a economia brasileira tenha em 2020 o seu melhor desempenho dos últimos anos, superando os 2% de crescimento real. Há, contudo, pelo menos três aspectos que merecem atenção e trazem cautela ao otimismo. O primeiro deles é o patamar ainda baixo do crescimento da economia esperado para os próximos anos, insuficiente claramente para recuperar o mercado de trabalho ao seu nível pré-crise. O segundo é a problemática fiscal, cuja solução segue dependente do relacionamento - que até aqui se mostrou por vezes conflituoso - entre o governo Bolsonaro e o Poder Legislativo O terceiro são os riscos associados à agenda protecionista de Trump.

Com relação ao primeiro ponto, continua evidente que há ainda um caminho longo de reformas a percorrer para que a economia brasileira venha a apresentar um crescimento da produtividade total de fatores compatível com as necessidades do País, notadamente para retirar o Brasil da chamada “armadilha da renda média” e fazer regredir a desigualdade de renda que é das maiores do mundo.

Quanto à situação fiscal, segue prevalecendo uma situação de excessiva rigidez no gasto público e de obstáculos para a gestão da despesa de custeio do governo. Além disso, os Estados e municípios, em sua maioria, apresentam uma situação fiscal delicada que, de uma maneira ou outra, termina por pressionar as contas da União. Assim, fará grande diferença para o cenário de 2020 e dos anos futuros a aprovação pelo Congresso, de maneira substantiva, das propostas apresentadas em novembro último pelo governo para modernizar a gestão orçamentária no Brasil, sintetizadas pelo ministro Paulo Guedes nos três “Ds” - desvinculação, desobrigação e desindexação.

Nesse contexto, há o risco de que as tensões de um ano de eleições municipais agravem as dificuldades da articulação política de Bolsonaro com o Legislativo, fechando o espaço para o prosseguimento da agenda de reformas, seja com escopo fiscal, seja para melhorar o ambiente de negócios no país. Vale lembrar que o sucesso na aprovação da reforma previdenciária deveu-se mais a uma confluência de interesses favoráveis no Congresso do que propriamente à excelência da articulação política governista.

Por último, não devem ser ignorados os riscos que derivam da agenda protecionista de Trump. Nesse momento, parece haver algum grau de entendimento entre os EUA e a China para evitar o agravamento do conflito comercial, porém o caráter mercurial de Trump e as vicissitudes da política americana num ano eleitoral não asseguram a permanência desse cenário de distensão nos próximos meses, cuja reversão pode prejudicar o crescimento global com repercussões sobre o Brasil.

Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo. Escreve mensalmente às segundas-feiras.

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