Valor Econômico, v. 20, n. 4832  07/09/2019. Política, p. A7

Rede vira a principal voz da oposição no STF

 Luísa Martins


A Rede Sustentabilidade tornou-se a principal voz da oposição ao presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF), ultrapassando, em números, partidos tradicionais de esquerda, como o PT e o Psol.

Com uma equipe formada por seis assessores legislativos jurídicos, que não existia até o início deste ano, o Rede questiona no Supremo uma diversidade de assuntos - desde a reforma da Previdência até o desmatamento na Amazônia, passando pelos cortes em universidades federais, pela demarcação de terras indígenas e pelo porte de armas de fogo.

A pedido do Valor, os próprios partidos levantaram o número de ações ajuizadas no STF contra medidas de Bolsonaro ou sobre fatos que, de alguma forma, interessam ao presidente. Desde o início do ano, a sigla protocolou 14 processos, enquanto o Psol ajuizou sete e o PT, quatro.

Impetradas entre abril e agosto deste ano, a maioria das ações da lista do Rede ainda estão pendentes de análise pelo plenário da Corte. Três delas, no entanto, já foram examinadas ao menos pelos relatores - duas com resultado favorável ao partido; outra que, embora indiretamente, beneficiou o governo.

Em 1º de agosto, os ministros foram unânimes ao manter com a Fundação Nacional do Índio (Funai), do Ministério da Justiça, a atribuição para demarcar terras indígenas. A decisão contrariou o governo, que buscava ver reconhecida a competência da pasta da Agricultura.

Uma semana depois, o ministro Gilmar Mendes deferiu o pedido do Rede e garantiu ao jornalista Glenn Greenwald que ele não possa ser investigado pela divulgação de informações que preservam o sigilo da fonte.

Bolsonaro e seus auxiliares vêm tentando desacreditar o trabalho do editor do "The Intercept Brasil" desde que o site começou a publicar diálogos que comprometem a lisura do ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública).

A decisão desfavorável veio do ministro Ricardo Lewandowski, que negou, por razões técnicas, o trâmite de uma ação do Rede contra a suspensão das investigações sobre o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Filho mais velho do presidente, ele é suspeito  de ter mantido funcionários fantasmas em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio.

"Várias ações podem ter efeitos concretos, mas outras, ainda que não sejam julgadas, trazem um forte efeito político", diz um dos membros da equipe jurídica do Rede, Cássio Araújo.

Ele cita como exemplo o caso dos decretos que facilitavam o porte de armas no país. Impugnados no Supremo pelo partido, foram revogados por Bolsonaro na véspera da data agendada pelo ministro Dias Toffoli para julgamento em plenário.

A ação mais recente questiona a portaria que suspendeu edital da Agência Nacional de Cinema (Ancine) para financiamento de séries com temática LGBT - e que, recentemente, levou à queda do ex-secretário especial de Cultura, Henrique Pires.

"O que Bolsonaro chama de filtro, eu chamo de censura descarada e criminosa, contra a qual a Rede sempre se erguerá", disse o líder do partido no Senado, Randolfe Rodrigues, na ocasião.

Já o Psol, embora quantitativamente tenha apresentado menos ações no Supremo (a mais relevante delas também relacionada ao decreto das armas), teve forte atuação com representações perante a Procuradoria-Geral da República (PGR). Os assuntos também são variados e incluem não só atos e manifestações de Bolsonaro, mas também de seus ministros - Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), Abraham Weintraub (Educação) e Marcelo Álvaro Antônio (Turismo), por exemplo.

Em relação ao PT, a legenda foi a responsável pela ação que impôs a primeira derrota a Bolsonaro no Supremo. Em junho, também unânime, o plenário derrubou trecho de decreto que extinguia conselhos da administração pública previstos em lei. O entendimento foi o de que o presidente violou o princípio da separação de poderes, interferindo indevidamente em normas aprovadas pelo Congresso Nacional.