Valor Econômico, v. 20, n. 4831 06/09/2019. Política, p. A8

Bolsonaro sanciona lei de abuso de autoridade com 19 vetos

 Fabio Murakawa
 Carla Araújo


O presidente Jair Bolsonaro sancionou ontem a lei de abuso de autoridade com 19 vetos ao texto aprovado em agosto pelo Câmara, um gesto que agrada sua base eleitoral, mas com potencial para armar uma briga com o Congresso.

Pela manhã, ele havia enfatizado que os vetos não tinham como objetivo afrontar o Congresso. O ministro da Justiça, Sergio Moro, classificou os vetos como "muito equilibrados".

Pela manhã, em evento no Palácio do Planalto, Bolsonaro disse que "o espírito do projeto" seria mantido, apesar das dezenas de vetos. "Não estou afrontando o Parlamento nem querendo fazer média com a população", afirmou. "Nem queremos ceder ao clamor daqueles que querem veto total."

O presidente reconheceu méritos no texto e repetiu que ele próprio já foi vítima de "abusos" cometidos pelo MP.

"Queremos combater o abuso de autoridade, mas não podemos matar um paciente com um remédio muito forte."

Ao todo, os 19 vetos de Bolsonaro atingiram 36 dos 108 dispositivos do texto. Para tomar a medida, o presidente ouviu o que chama de "meu centrão": os ministros Moro, Jorge Oliveira (Secretria-Geral), André Mendonça (Advocacia-Geral da União) e Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União).

Segundo Jorge Oliveira, Bolsonaro acolheu todas as sugestões do quarteto. "Após manifestações de ordem técnica e jurídica, e por razões de interesse público e preservação da ordem jurídica nacional, o presidente Jair Bolsonaro sancionou com vetos o projeto de lei sobre crimes de Abuso de Autoridade. As sugestões de veto foram acolhidas integralmente", afirmou o ministro em sua conta no Twitter.

Oliveira destacou, entre os "principais vetos", a proibição dos agentes públicos policiais ou militares de exercerem as funções na localidade em que residir ou trabalhar a vítima; a proibição de imagens ou vídeos do preso, investigado, indiciado ou vítima; a obrigação de o agente público de se identificar ao preso; a proibição do uso de algemas quando o preso não apresenta risco. Este era o único veto acertado previamente com o Congresso.

Entre outros dispositivos vetados, está o que prevê a decretação de prisão "em manifesta desconformidade com as hipóteses legais". Na justificativa do veto, o governo argumenta que esse dispositivo "gera insegurança jurídica por se tratar de tipo penal aberto e que comporta interpretação, o que poderia comprometer a independência do magistrado ao proferir a decisão pelo receio de criminalização da sua conduta".

Bolsonaro vetou também o artigo que criminalizava agentes que executassem busca e apreensão de pessoa "que não esteja em situação de flagrante delito ou sem ordem escrita de autoridade judicial".

Ele justificou esse veto afirmando que isso gera insegurança jurídica, "tendo em vista que há situações que a flagrância pode se alongar no tempo e depende de análise do caso concreto".

Um outro dispositivo vetado definia como crime "o constrangimento do preso pela autoridade, mediante violência ou grave ameaça, a produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro".

Para o presidente, "o princípio da não produção de prova contra si mesmo não é absoluto como nos casos em que se demanda apenas uma cooperação meramente passiva do investigado".

Outro ponto barrado pelo presidente penaliza juízes que não concedam habeas corpus ou relaxamento de "prisão manifestamente ilegal ou que não substitua a pena de privação de liberdade por uma outra medida cautelar prevista em lei".