Valor Econômico, v. 20, n. 4831 06/09/2019. Política, p. A6

Após dois anos, Dodge acumula desgastes e embates com a Lava-Jato

 Isadora Peron
 Luísa Martins


Primeira mulher a comandar a Procuradoria-Geral da República (PGR), Raquel Dodge vai deixar o cargo no dia 17 de setembro, desgastada com a maioria de seus interlocutores. Colecionou embates com os procuradores que atuam na Lava-Jato; enfrentou a ala mais corporativista do Ministério Público Federal; contrariou o presidente Jair Bolsonaro nas questões da pauta conservadora; e discordou de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).

A principal crítica em relação à sua gestão foi o ritmo mais lento que imprimiu às investigações. Em dois anos à frente da PGR, ela apresentou dez denúncias no STF no âmbito da Lava-Jato. No biênio anterior, sob o comando de Rodrigo Janot, foram 24 denúncias - duas delas contra o então presidente Michel Temer.

O número de delações homologadas pelo STF também despencou em relação à gestão passada. Oficialmente, Dodge não divulga dados sobre isso, mas, este ano, nenhum novo acordo foi oficializado. O saldo do antecessor foi de 159 colaborações.

Foi a discordância em relação a um posicionamento de Dodge na delação firmada com o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, que ainda precisa ser homologada pelo ministro Edson Fachin, que levou seis procuradores a pedirem demissão do grupo da Lava-Jato que atua na PGR.

Dodge rebateu as críticas e afirmou, em nota, que "em todos os seus atos, age invariavelmente com base em evidências, observa o sigilo legal e dá rigoroso cumprimento à Constituição e à lei".

A relação entre a PGR e a força-tarefa de Curitiba sempre foi permeada de críticas - de ambos os lados. Em março, Dodge acionou o STF para anular o acordo entre a força-tarefa e a Petrobras que previa a criação de uma fundação para gerir um fundo bilionário. Os recursos foram repartidos ontem e serão destinados à educação e à Amazônia.

O desgaste com os integrantes da operação aprofundou-se diante do silêncio da PGR após o site "The Intercept Brasil" começar a publicar, em junho, mensagens trocadas pelo Telegram por diversos procuradores da força-tarefa, entre eles Deltan Dallagnol. O fato levou à primeira baixa da Lava-Jato em Brasília em julho, com a saída do coordenador do grupo José Alfredo de Paula.

Dodge também virou alvo da ala mais corporativista do Ministério Público, por não ter aprovado uma contrapartida financeira aos procuradores após o fim do pagamento do auxílio-moradia.

Ela também foi bastante criticada por tentar ser reconduzida ao cargo, mas não se candidatar à lista tríplice promovida pela Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR).

O ineditismo da gestão de Dodge começou já na indicação dela para assumir o cargo, em 2017, quando Temer decidiu escolher o segundo colocado da lista tríplice - usualmente, o PGR era o mais votado. Dodge ficou atrás de Nicolao Dino, ligado ao grupo de Janot, desafeto de Temer.

A procuradora-geral também foi para o embate com o Supremo ao defender o arquivamento do inquérito aberto de ofício para apurar ameaças e notícias falsas contra integrantes da Corte.

Em relação à pauta conservadora de Bolsonaro, ela também destoou do que o governo esperava. Dodge foi a favor da criminalização da homofobia e deu um voto decisivo para impedir que um procurador que costuma defender publicamente o regime militar ocupasse um lugar na comissão sobre mortos e desaparecidos na ditadura.

Apesar das críticas, há procuradores que defendem a atuação de Dodge, inclusive na Lava-Jato. Os números menos chamativos, dizem, devem-se ao fato de ela ser mais rigorosa nas investigações. Depois de casos como o pedido de rescisão do acordo fechado com executivos da J&F, era preciso blindar a instituição e dar um novo rumo para a operação.