Valor Econômico, v. 20, n. 4835 12/09/2019. Política, p. A10

Atritos vêm da campanha presidencial

 Murillo Camarotto
 Lu Aiko Otta

 

A demissão do secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, é o capítulo mais relevante de um desgaste que vem desde a campanha presidencial, em torno da recriação de um imposto nos moldes da antiga CPMF. Mesmo antes de ser eleito, o candidato Jair Bolsonaro criticava e descartava a cobrança, chegando a desautorizar o seu fiador junto ao mercado, hoje ministro da Economia, Paulo Guedes.

"Acima do ministro há um comandante", disse Bolsonaro ainda em outubro. Em reuniões com o mercado, o hoje ministro falava de algo semelhante à CPMF. Nessa época, já era auxiliado por Cintra.

Em resposta a um artigo publicado por Cintra, Bolsonaro o havia ameaçado de demissão. "Falei com ele para não falar aquilo que não tiver acertado com o Guedes e comigo. Parece que certas pessoas não podem ver uma lâmpada que se comportam como mariposa", disse o então presidente eleito. "A decisão que eu tomei, quem criticar qualquer um de nós publicamente, eu corto a cabeça."

Nos primeiros dias de seu governo, Bolsonaro entrou novamente em rota de colisão com o secretário da Receita, ao anunciar a possibilidade de uma redução da alíquota do Imposto de Renda, compensado por um reajuste no Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Horas depois, as declarações do presidente foram classificadas por Cintra como "uma confusão". "Não há necessidade de compensação nenhuma", afirmou o agora ex-chefe Fisco.

Cintra também esteve envolvido em uma polêmica com o Supremo Tribunal Federal (STF), quando vazaram informações sobre uma suposta investigação contra o ministro Gilmar Mendes. A devassa nas movimentações do magistrado resultou em uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) contra a Receita, o que abriu uma nova frente de conflitos para Cintra.

O Congresso não ficou de fora. Em abril, Cintra usou as redes sociais para criticar o texto de reforma tributária da Câmara dos Deputados e acabou chamado de "bajulador" pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). "O secretário tem errado muito na relação com o parlamento e eu defendo o parlamento", disse.

Mais recentemente, em agosto, a Receita voltou aos holofotes políticos, com a demissão do então número 2 do órgão, João Paulo Ramos Fachada. A saída teve como pano de fundo uma forte pressão do Palácio do Planalto e gerou uma onda de protestos de auditores em todo o país.

Fachada foi substituído por José de Assis Ferraz Neto, que ontem se tornou o chefe interino da Receita, em sua segunda promoção em menos de um mês. Antes de chegar a Brasília, Ferraz atuava como delegado da Receita no Recife, posto que assumiu após atuar também como superintendente-adjunto da 4ª Região, que contempla Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte.

Servidor de carreira, de perfil técnico e discreto, Ferraz é citado por colegas como especialista no setor aduaneiro, tendo atuação destacada no Aeroporto Internacional dos Guararapes, no Recife. A rápida ascensão, contudo, foi vista com surpresa e ressalvas por colegas em Brasília, que não acreditam que ele seja oficializado no comando. A impressão é de que Ferraz não tem experiência suficiente para assumir as responsabilidades que lhe estão sendo colocadas.

Até o anúncio da troca no comando do órgão, Ferraz vinha gerindo a máquina da Receita, enquanto Marcos Cintra e o secretário-adjunto, Marcelo Souza e Silva, estavam exclusivamente a cargo da elaboração da proposta de reforma tributária.

Em nota oficial, o Ministério da Economia apenas confirmou a saída de Cintra e informou que "ainda não há um projeto de reforma tributária finalizado". "A equipe econômica trabalha na formulação de um novo regime tributário para corrigir distorções, simplificar normas, reduzir custos, aliviar a carga tributária sobre as famílias e desonerar a folha de pagamento" informou a pasta.