Valor Econômico, v. 20, n. 4913, 07/01/2020. Política, p. A6

Bolsonaro acerta com cúpula do Congresso proibição de taxação de energia solar

Rafael Bitencourt
Raphael Di Cunto
Matheus Schuch
Marcelo Ribeiro
Mariana Ribeiro


O presidente Jair Bolsonaro tomou partido pela manutenção dos subsídios à energia solar produzida por painéis na própria residência dos consumidores -geração distribuída (GD) - e acertou com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a aprovação de projeto para impedir a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de reduzi-los. A posição contraria seu próprio Ministério da Economia.

A agência discute há meses um modelo de taxação da energia solar residencial, iniciativa que tem posto em lados opostos as distribuidoras de energia e a indústria de painéis solares. Hoje, as residências com painéis recebem descontos na conta de luz com os créditos acumulados com a sobra de energia “devolvida” na rede da distribuidora local e não pagam uma série de encargos. A resolução que criou esses incentivos já dizia que haveria uma revisão no fim do ano passado.

A Aneel justifica a mudança dizendo que subsídio acaba favorecendo os mais ricos, mas é pago por todos os demais consumidores, e que se continuar crescendo no mesmo ritmo atual levará a um desequilíbrio ainda maior no rateio dos custos do sistema. As projeções da agência indicam que o peso anual do incentivo alcançará R$ 1 bilhão em 2021.

Até 2035, os demais consumidores terão pago um valor acumulado entre R$ 50 bilhões e R$ 60 bilhões para manter isso.

No domingo, Bolsonaro já tinha anunciado que a Aneel é independente, mas que defenderia o atual modelo. Ontem, ele afirmou a jornalistas que não deve mais esperar por uma decisão da agência reguladora. “Está definido, está sepultado qualquer possibilidade de taxar energia solar”, afirmou, se valendo do principal argumento usado nas redes sociais. A campanha que ganhou fôlego na internet defende que não se trata de reduzir subsídio, mas de “taxar o sol”. “Tá uma comoção nacional sobre taxar energia solar”, afirmou. “A nossa posição é tarifa zero.”

O presidente disse que Alcolumbre e Maia apoiam a medida para incentivar a energia limpa. “Talvez nem precise de nada e a própria Aneel se conscientize de que esta fonte de energia tem que ser estimulada pelo governo [e] não [atenda aos interesses de] grupos lobistas de transmissão de energia que trabalham dentro da Aneel para taxar”, reforçou. Os presidentes das duas Casas defenderam, em suas redes sociais, impedir a taxação pela Aneel.

O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, afirmou que o governo criará política pública para o setor. “Isso será feito nos primeiros meses do ano. A expectativa é que a tramitação do projeto, de iniciativa do Congresso, aconteça até abril”, disse.

Há diferentes propostas no Congresso para os subsídios. Na Câmara, elas devem ser discutidas juntas na volta do recesso, em fevereiro. Ainda não há, porém, uma posição consensual. O deputado Silas Câmara (Republicanos-AM), presidente da Comissão de Minas e Energia, por exemplo, apresentou proposta para garantir, em lei, o subsídio integral. “O substitutivo ao meu projeto já atende o que todo mundo está falando.

Deve ser aprovado na primeira sessão da comissão”, afirmou. A decisão, contudo, caberá ao futuro presidente do colegiado, que será eleito em fevereiro.

Já o deputado Lafayette Andrada (Republicanos-MG), relator do projeto de Código Brasileiro de Energia, negocia com o governo uma proposta para manter os incentivos por dois ou três anos, mas levar a uma taxação gradual que atingirá 25% em dez anos. “É um valor que o mercado acha razoável, que todo mundo aceita. A Aneel trabalhava com taxação de 62%. Quebraria o setor”, disse.

Por outro lado, técnicos da Aneel e pareceres do Ministério da Economia defendem acabar com o subsídio. Há cinco anos, dizem, a recuperação do investimento (payback) na compra e instalação dos painéis ocorria em sete anos por causa dos descontos tarifários. Esse prazo caiu com a chega de novos fabricantes, o que reduziu em 45% do preço de aquisição dos equipamentos e levou a um retorno do investimento em quatro anos e meio. A partir daí, o proprietário passa a lucrar com os painéis.

A Aneel defende que, mesmo com a redução dos subsídios, o investimento estaria pago em seis anos e meio e que a nova regra, se aprovada, valeria apenas para as novas adesões. Para os atuais proprietários, nada mudaria até 2030. O custo anual dos subsídios já supera R$ 200 milhões anuais, diz a agência.

Já Andrada argumenta que os atuais painéis instalados em residências evitaram gasto adicional de R$ 68 milhões com fontes de energia mais poluentes apenas em novembro de 2019. “A energia solar é mais barata, limpa e renovável e acaba, na verdade, por diminuir a conta de todo mundo ao reduzir os gastos com termoelétricas”, disse o deputado. A fala de Bolsonaro também foi comemorada pelo setor. Para o grupo SOS Geração Distribuída, composto por empresas do segmento, a posição “esvaziou” a proposta de criar um “imposto sobre trocas energéticas”.