Valor Econômico, v. 20, n. 4833 10/09/2019. Brasil, p. A6

Indígenas não poderão vetar projetos

 Marcos de Moura e Souza


O governo federal deve finalizar dentro de algumas semanas o texto que servirá de base para um projeto de lei sobre mineração em terras indígenas. A Constituição prevê atividade minerária nessas áreas, mas, como o tema nunca foi regulamentado pelo Congresso Nacional, continua sendo proibido.

Segundo o secretário de Geologia, Mineração e Transformação do Ministério das Minas e Energia, Alexandre Vidigal, os povos indígenas não terão poder para vetar projetos de mineradoras em suas terras. Mas, segundo ele, na prática, os índios terão poder de dissuadir eventuais investimentos.

"A Constituição não fala em veto. Agora, temos que ter bom senso. Qual investidor vai querer aplicar o seu dinheiro quando uma comunidade disser 'eu não quero sua atividade minerária aqui'?", disse Vidigal a jornalistas no fim da tarde de ontem após participar de um debate em Belo Horizonte da abertura da Exposibram, congresso anual do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) em Belo Horizonte.

Vidigal disse que o texto que está sendo elaborado pelo governo envolve diversos ministérios e órgãos, entre eles Casa Civil, Funai e Ibama - e análises técnicas e políticas. "A proposta do projeto está quase pronta. Acredito que até o fim do mês deve ser apresentada."

Um dos pontos ainda em aberto diz respeito a como os indígenas serão remunerados pela mineração em suas terras - caso o assunto venha realmente ser regulamentado. "Isso não está muito bem definido, se vai ser um royalty fixo ou se vai ser um ganho participativo", afirmou Vidigal. "A Constituição fala que as comunidades indígenas devem se beneficiar do valor dessa produção."

Garimpos ilegais em terras indígenas são uma realidade antiga e persistente, sobretudo na região amazônica. Em Roraima, por exemplo, garimpeiros em busca de ouro são foco constante de pressão sobre os yanomâmi; no norte de Mato Grosso, o ouro também move as buscas nas terras habitadas pelos caiapó; e em Rondônia, garimpeiros e índios da etnia cinta-larga têm um longo histórico de tensão em lavras ilegais de diamante na região da terra indígena Roosevelt.

Abrir terras indígenas à mineração foi tema de campanha do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e que tem suscitado muitas divisões. De um lado, o argumento de que a presença de mineradoras trarão novos problemas a comunidades indígenas; de outro, o argumento de que é melhor ter operações legais do que invasões e garimpos ilegais.

Grandes mineradoras que operam no Brasil têm mostrado, por enquanto, pouco interesse pela discussão. A posição de modo geral é que há ainda muitas áreas não indígenas a serem exploradas no país.

Mas sobre muitas terras indígenas já existem requerimentos de pesquisa ou de lavra - muitas delas de empresas de pequeno porte -, a despeito de a mineração nessas áreas ainda estar proibida.

Vidigal afirmou que um dos pontos a serem definidos na minuta de um futuro projeto é quem terá a primazia de explorar essas áreas. As empresas que já registraram seu interesse nesses territórios ou as que vierem a fazê-lo no futuro?

"Essa é uma das questões que vão ser submetidas a esse grupo mais político e técnico", disse o secretário.

Sua visão é que esse processo deva começar do zero. "A nosso ver nós temos que dar início a toda uma fase nova de requerimentos. Até porque esses requerimentos não foram formulados diante de uma legislação."