Valor Econômico, v. 20, n. 4830 05/09/2019. Opinião, p. A18

Após previdência, alvo deve ser reforma administrativa


 

Pior que o orçamento da União deste ano só o próximo. Apertado pelo teto de gastos, que só admite a correção das despesas primárias pela inflação, e pelas despesas obrigatórias, os recursos destinados aos ministérios e programas de governo serão em vários casos menores do que os do corrente exercício. O governo está perto de conseguir uma reforma da previdência, que lhe permite vislumbrar economias significativas nos próximos dez anos. Mas em 2020 o rombo da previdência ainda aumentará quase R$ 30 bilhões. Sobre a segunda maior despesa orçamentária, a folha de salários dos servidores, nada foi feito até agora, mas há promessa de ação. A inércia, neste ponto, é insustentável.

O aperto das finanças públicas até agora resultou em ajuste de má qualidade - os investimentos públicos tendem a zero. A execução atual, de R$ 39,9 bilhões entre janeiro e julho, e de R$ 49,4 bilhões em doze meses, já é menor do que a de 2007. A previsão para o ano que vem é metade disso - R$ 19,4 bilhões, o menor valor em décadas. A falta de recursos afeta outra área vital para a retomada do crescimento, a infraestrutura. A dotação do ministério correspondente terá corte de 30,4% em relação ao exercício corrente, e foi reduzida a R$ 4,7 bilhões. Não haverá mais investimentos em outras frentes, só a conclusão de 29 obras escolhidas como prioritárias - importante, mas insuficiente diante das necessidades.

Há falta de dinheiro, ilustrada pela redução do orçamento da Infraestrutura e Minas e Energia, e há também as prioridades políticas, nas quais se encaixam, por exemplo, o corte de 34% nas verbas do Ministério do Meio Ambiente (-34%). Com isso, o presidente Jair Bolsonaro, criticado pelo desmonte de instituições da área, ratifica a desimportância que atribui a ela.

A infraestrutura, que nunca foi um primor, se deteriora a olhos vistos. Aquela na qual se movem os funcionários públicos segue o mesmo caminho. O contingenciamento atingiu fortemente o custeio da máquina, hoje na casa dos R$ 97 bilhões, e tem viés de baixa. A proposta para 2020 é de R$ 89,2 bilhões, sendo R$ 69,8 bilhões para custeio e o restante para (minguados) investimentos. Especialistas indicaram que esse montante está na, ou já ultrapassou a, fronteira a partir da qual não há dinheiro para a continuidade de todas as atividades.

Apesar do sufoco, o déficit público cai com muito vagar. O governo se empenha para atingir o rombo de R$ 139 bilhões neste ano. Para 2020, promete reduzí-lo a R$ 124,1 bilhões e para obtê-lo, mesmo assim, terá de pedir ao Congresso a aprovação de um crédito extra de R$ 367 bilhões, necessário para que o governo cumpra a regra de ouro, que impede o uso do endividamento para cobertura de despesas de pessoal e custeio, por exemplo. Neste ano, o pedido foi de R$ 248,9 bilhões. O ministro Paulo Guedes disse que reduziria o déficit em um ano, mas pede agora aos parlamentares R$ 118 bilhões a mais.

A equipe econômica estuda formas de se adaptar ao cerco do teto de gastos, caçando receitas em várias partes. Entre elas: a redução dos repasses do Sistema S (em princípio, 20%), substituição de fontes de gastos (retreinamento de trabalhadores pelo sistema S), e legislação encaminhada ao Congresso para dar passos importantes que hoje não pode dar, como a redução da jornada e salários do funcionalismo público e flexibilização da estabilidade. A ideia que norteia as ações é a de que medidas preventivas sejam acionadas antes do aperto extremo e urgente das despesas, isto é, estabelecer um gatilho para o teto de gastos.

Mesmo medidas razoáveis como essas enfrentam obstáculos poderosos. Faziam parte das precauções instituídas pela Lei de Responsabilidade Fiscal que foram suspensas judicialmente e, recentemente, julgadas pelo Supremo Tribunal Federal. O tribunal as considerou inconstitucionais, ainda que preservassem empregos públicos. Com isso, O Estado faz malabarismos financeiros e suprime investimentos e serviços que atendem a população para preservar o pagamento de funcionários. "A despesa salarial é seis vezes maior que os investimentos públicos", diagnosticam Ana Abrão, Arminio Fraga Neto e Carlos Sundfeld (A reforma do RH no governo federal, da consultoria Oliver Wyman).

A equipe econômica prega a desvinculação total do orçamento, mas não agiu nessa direção até agora. É algo urgente, que precisa ser complementado pela reforma administrativa, para, entre outras coisas, estancar gastos com pessoal, subiram mais que as receitas da União, em termos reais, e continuam subindo.