Valor Econômico, v. 20, n. 4849, 02/10/2019. Opinião, p. A15

Como enfrentar as mudanças climáticas

Tiago Cavalcanti


Na minha coluna do dia 7 de julho de 2019, “As Origens das Mudanças Climáticas”, argumentei que apesar das alterações no clima serem em parte um fenômeno natural, há um entendimento entre os cientistas de que as consequências de uma maior concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera, emitidos a partir

do uso de combustíveis fósseis e com o desflorestamento, tem interferido no ciclo natural do clima e aquecido o globo de forma mais intensa em comparação à sua tendência anterior.

A teoria de como a maior concentração de CO2 na atmosfera afeta o clima do globo tem mais de um século de existência e é simples de entender. A atmosfera é uma camada transparente de gases que envolve a terra. Sem a atmosfera a Terra seria mais fria do que é. A razão é que a atmosfera permite a entrada da radiação ultravioleta solar e absorve as radiações emitidas pela superfície da Terra, retendo o calor, que sem a atmosfera seria dissipado para o espaço. A maior concentração de dióxido de carbono na atmosfera amplifica esse efeito estufa aquecendo o globo terrestre.

Em geral, nos períodos interglaciais, fases quando a terra fica mais aquecida, a concentração de CO2 na atmosfera é 45% mais elevada do que nos períodos glaciais e na atualidade essa concentração é quase 50% superior do que em um período interglacial típico.

Há diversas evidências corroborando a teoria do efeito estufa, que também foram indicadas na minha coluna anterior. As incertezas e divergências entre os cientistas estão na intensidade dos efeitos das ações humanas sobre o clima, elevação dos oceanos e impactos sobre os ecossistemas.

Uma questão importante é: o que fazer? Devemos esperar décadas para entender melhor a intensidade dos efeitos ou devemos adotar imediatamente medidas para impedir possíveis danos ambientais, econômicos e sociais, além de evitar um ponto crítico de não retorno com perdas permanentes de ecossistemas? A resposta a esta pergunta tem um contexto filosófico importante, baseado nos argumentos utilitaristas do filósofo inglês Henry Sidgwick: os principais beneficiados de uma maior restrição de emissão CO2 na atmosfera são as gerações futuras, que não têm como influenciar nas decisões atuais.

Antes de analisarmos as políticas que podem ter sucesso em diminuir a concentração de C02 na atmosfera, é preciso entender os custos e incentivos dos países em adotarem certas medidas.

No caso de um país adotando um plano para restringir a emissão de CO2, o custo da política é, na maioria dos casos (ex., imposto sobre combustíveis fóssil), pago pela população do país que adota a medida. Os benefícios da política são capturados pela maioria dos indivíduos do globo e também por gerações futuras. Essa discrepância entre quem sustenta o custo daqueles que se beneficiam da política tende a gerar resistências impedindo a introdução de algumas medidas. O forte movimento dos coletes amarelos na França, que juntou grupos da direita e da esquerda em protesto contra o aumento de impostos sobre combustíveis, exemplifica bem essa questão. Ironicamente, a medida tinha a finalidade de adequar a França aos níveis de emissão determinados em 2015 no Acordo de Paris. Depois do forte protesto, o aumento do imposto foi suspenso.

Além disso, dada a natureza global do problema, individualmente a ação de um país, com exceção de poucos países, como a China e os Estados Unidos, tem impacto limitado sobre a emissão total de CO2 na atmosfera.

Certamente os países mais desenvolvidos podem aderir ao modelo adotado pela Suíça, que tem plano de reduzir a emissão líquida de carbono a zero em 2050. Porém, o mundo é bastante heterogêneo e a pressão maior para a emissão de CO2 na atmosfera virá dos países menos desenvolvidos. A renda per capita da Suíça corrigida pelo poder aquisitivo é 10 e 30 vezes maior do que a renda per capita da Nigéria e da Etiópia, os dois países mais populosos do continente africano. É de se esperar que com a tecnologia atual, os países mais pobres aumentem a emissão de CO2 na atmosfera dado o maior crescimento populacional dessas nações e a necessidade de superação de elevados níveis de pobreza.

Assim como o conhecimento e o progresso tecnológico permitiram a humanidade superar obstáculos difíceis como a escassez de alimentos, a navegação dos mares e epidemias letais, uma esperança é avançarmos em tecnologias que elevem a eficiência do uso de energia de fontes renováveis, como solar e eólica. Porém, atualmente essas duas fontes têm suas restrições. Ambas são instáveis e requerem um espaço físico amplo para produzirem energia em larga escala, limitando o uso.

A energia nuclear também é uma alternativa, já que não emite gases de efeito estufa e é eficiente na geração de eletricidade. Há, claro, preocupações com os possíveis acidentes nucleares de alta radioatividade. Mas, ao contrário do imaginário popular, os acidentes nucleares são escassos. Os reatores nucleares produzem mais de 70% do total da eletricidade na França, país sem nenhum incidente nuclear importante.

Uma forma eficiente de capturar os gases de efeito estufa, na qual guardo esperança, é através de um programa forte de reflorestamento. A natureza ainda é a forma mais eficiente de absorver carbono. Vários países já não apresentam nenhum crescimento populacional e um plano ambicioso para reflorestar áreas de pouco uso poderia ter efeito relevante com custo de oportunidade baixo. Um programa de transferência de renda para países em desenvolvimento para evitar o desmatamento e reflorestar algumas áreas poderia ser liderado por fundos de investimento e nações desenvolvidas.

Artigo publicado recentemente na revista Science1 argumenta que o reflorestamento de áreas que não são cidades e que não são usadas na agricultura atualmente tem potencial de diminuir a emissão de CO2 em 2/3 do nível atual. A arborização de centros urbanos, como no caso de Cingapura, também seria uma forma eficaz de absorver carbono.

Em suma: existem alternativas viáveis e cabe a todos nós, como gestores de risco e amantes da vida, pressionar por ações práticas com o objetivo de evitar os piores cenários e diminuir riscos existenciais de ecossistemas, garantindo assim a qualidade de vida atual e futura.

1. Bastin et al (2019). “The Global Tree Restoration Potential” Science 365, 76-79.

Tiago Cavalcanti é professor de economia da Universidade de Cambridge e da FGV-SP.