Correio Braziliense, n. 21701, 16/08/2022. Cidades, p. 13

“Neste momento, vamos atacar a fome”

Entrevista: Leila Barros


Senadora e candidata ao Governo do Distrito Federal (GDF), Leila Barros (PDT) afirma que eliminar a fome deve ser prioridade no DF. “Temos, hoje, na capital do país, uma população de mais de 3 mil pessoas morando nas ruas. Você vê as filas do Cras, que estão enormes. Temos mais de 52% do DF em insegurança alimentar. Você, agora, tem um café, mas, mais tarde, não sabe se vai jantar”, ponderou, em entrevista ao jornalista Carlos Alexandre de Souza. Ela ressaltou que pretende acabar com o Instituto de Gestão Estratégica de Saúde (Iges-DF). “Ele trouxe altos indícios de corrupção e falta de transparência”, criticou, ontem, durante o programa CB.Poder — parceria do Correio com a TV Brasília.

 

Vai começar a campanha por onde amanhã (hoje)? 

Hoje (ontem), teremos uma reunião para finalizarmos a agenda da semana. A prioridade é a Rodoviária do Plano Piloto, cedinho, 5h30 ou 6h.  Acredito que esse processo vai ser muito interessante, principalmente para mim, porque fiquei muito tempo no Senado resolvendo pautas importantes, não só para Brasília, mas para todo o país. Estava com saudade do povo, depois dessa pandemia.

 

O que a senhora tem ouvido em relação à realidade do Distrito Federal?

 A realidade é dura. Acredito que o reflexo da pandemia aumentou mais a desigualdade no DF. A assistência social e a saúde, que é uma queixa recorrente. A cúpula presa, o secretário preso, as dificuldades no orçamento, a falta de transparência na gestão da pandemia. A questão da mobilidade também. Muitos questionamentos e apelos da população para que olhemos com carinho para essas áreas de assistência social, saúde e mobilidade.

 

Essas são as principais queixas que a senhora tem ouvido? 

No meu caso, sim. É o que tenho mais visto. Mães reclamando muito das filas do Cras (Centro de Referência de Assistência Social). A gente também sabe da evasão escolar, que foi duramente atingida, com um índice alto. Mas eu vejo que a situação da assistência social, pelo desemprego, pela fome na capital do país, são áreas que realmente foram sentidas.

 

Qual o primeiro ponto que a senhora vai tocar neste início de campanha? 

O primeiro ponto que vamos tocar, principalmente, é a questão da área social. Temos, hoje, na capital do país, uma população de mais de 3 mil pessoas morando nas ruas. Você vê as filas do Cras, que estão enormes. Temos mais de 52% do DF em insegurança alimentar. Você, agora, tem um café, mas, mais tarde, não sabe se vai jantar.

 

O governo tem sido omisso na questão social? 

Acredito que sim. Quando se fala em uma grande rede de assistência e serviços prestados à população, vejo que é uma rede furada. É uma rede pulverizada, que não atende às reais demandas da sociedade. Você pega um único programa, que é sobre distribuição de renda, e você pulveriza ele em vários outros eixos, você não consegue atender o que a comunidade quer ali na frente, que é uma renda mínima para, pelo menos, comprar um arroz, um feijão. Isso não está acontecendo. Vemos que ele pegou essa questão da renda básica, que é o principal programa, e fatiou esse programa em outros. Vemos que não está atendendo as expectativas. Vamos trabalhar nesse sentido. Focar, neste primeiro momento, em mitigar a fome. Investir no restaurante comunitário nas regiões administrativas, nem toda a população tem acesso a eles. Precisamos ampliar o número de restaurantes comunitários. Tem um programa definido pela gente que é o comunitário itinerante, pretendemos levar esse alimento para algumas comunidades carentes, que realmente precisam e tenham dificuldade ao acesso desses restaurantes. Queremos, também, priorizar o acesso à alimentação, principalmente das crianças até 6 anos. Ampliar mais uma refeição, porque temos o café, o almoço e, agora, vamos dar o jantar. Neste primeiro momento, vamos atacar a fome.

 

E tem recurso para isso? 

Tem recurso. O Distrito Federal recebeu de recursos extras, digamos a área da saúde, só ela, foram R$ 3 bilhões. E nós, com a PEC nº 106, que foi justamente a PEC do estado de calamidade e o auxílio emergencial fiscal financeiro para os Estados, mandamos para o Distrito Federal mais de R$ 1,5 bi.

 

Qual período que a senhora está falando? 

2021 até 2022. Para a saúde, foram R$ 3 bilhões ao todo, porque temos os fundos de participação. Eu, como parlamentar, para a área do Suas (Sistema Único de Assistência Social), mandei R$ 16 milhões nos dois últimos anos e R$ 115 milhões, ao todo, com emendas para várias áreas, mas dando prioridade para a saúde.

 

E o que aconteceu com esse dinheiro? 

É uma boa pergunta. A gente monitora, provoca os órgãos de controle para que se tenha transparência e o que vimos foi a total falta de transparência na gestão desses recursos que vieram para o Distrito Federal.

 

O governo Ibaneis Rocha não é transparente? 

Não é transparente. Disso eu não tenho a menor dúvida. Por exemplo, educação tem um programa que se chama Caminho da Escola Rural, que é a pavimentação que dá acesso às escolas rurais. Eu e a deputada Paula Belmonte (Cidadania) mandamos quase R$ 30 milhões, nada executado. Teve uma ordem de serviço que parou ali. Claro que também vemos as questões políticas envolvidas, não tenho dúvida disso.

 

Não é propriamente um interesse público que prevaleceu? 

Certamente. Mas vamos trabalhar nesse sentido. Acredito que é uma lição aprendida. Qualquer um que hoje se apresenta para governar Brasília ou o país de modo geral precisa ter o espírito público acima de qualquer interesse.

 

A senhora vai manter o Iges-DF? O que irá fazer com ele? 

O Iges, quando foi criado, era para cuidar, somente, da administração do Hospital de Base. O governo atual disse que ia extinguir à época, e o que ele fez foi o contrário, ampliou os domínios do Iges para o Hospital de Santa Maria, e deu no que deu. Está claro, para qualquer um que queira governar, que esse modelo de gestão foi falho. Ele trouxe altos indícios de corrupção e falta de transparência. No nosso caso, também, pretendemos extinguir o Iges. Claro que com toda responsabilidade, a gente sabe que houve contratações, ali, dentro. Mas, acredito que está na hora de entendermos que, nesses 16 últimos anos, a saúde do Distrito Federal tem sido deteriorada. Sabemos que fora a questão da gestão, a rede física, os hospitais, estão sucateados, envelhecidos, faltam equipamentos e faltam insumos. Nós, realmente, temos que rever. Trazer a gestão da saúde para dentro da Secretaria e ver qual é a melhor modelagem para atender a população.

 

O governador Ibaneis prometeu ampliar o metrô. O que a senhora pretende fazer em relação a isso?

 Continuo na mesma pegada. Iremos fazer. É um projeto que está engavetado há anos, principalmente o da Asa Norte. Vamos fazer esse metrô até o final da Asa Norte. Quando se fala que existe uma dificuldade de ampliar o metrô para a região Norte, para a região de Sobradinho e Planaltina, a gente pode fazer uma conexão, porque fizemos um estudo com um monotrilho para a região de Sobradinho. Podemos ter um trem, porque nós sabemos: ônibus não atende a realidade de Brasília. Quando falamos de transporte público, ônibus é para atender curtos trajetos. Precisamos investir em transporte de massa no Distrito Federal. Não é que vamos descartar a importância dos ônibus para os curtos trajetos, vamos fortalecer os transportes de massa. Expandindo ele para a Santa Maria, para o Gama, porque todos têm projeto. O VLT, eu fui no Hangar do lado do Jóquei, ao lado da Hípica, e pensei quantos milhões foram gastos nessa estrutura, que simplesmente está sucateada e abandonada. Qual era o projeto inicial? Aquele seria o VLT que iria para o aeroporto e teria conexão com a W3 Sul e a W3 Norte, L2 Sul e L2 Norte. E aí você pergunta: “Leila e o recurso?” Quando você pensa em R$ 2 bilhões de subsídios nos últimos anos para ônibus, mas investimentos, parcerias com vários setores, e próprio orçamento, acredita que não dá pra finalizar esse projeto?

 

O PDT enfrentou dificuldades para formar alianças. Como fazer isso tudo com um partido nessa situação? Seja para eleição ou para o governo? 

Eu nunca tive dificuldades, se você acompanhar um pouco da minha trajetória dentro do Senado, nunca tive problemas com diálogo. Acredito que o mais importante que eu desenvolvi, uma habilidade que eu até desconhecia antes de vir para a vida pública, foi a facilidade de conversar com qualquer campo, esquerda ou direita, tenho boa relação. Quando falamos de PDT e as pessoas comentam que estamos isolados a nível nacional ou local, eu ainda acredito que estou em ótima companhia. Estou ao lado do Joe (Valle), na chapa, que é um cara que transita e dialoga muito com o setor produtivo da cidade. Os produtores do agro, da agroindústria, da economia familiar rural, enfim. Fora a experiência como político ou legislador, ele tem uma facilidade muito grande na construção dessas pontes. Estou em ótima companhia. Nós, realmente, não conseguimos a tempo. E, aí, de repente, foi um erro de tempo. Neste cenário, talvez eu tenha demorado muito a tomar minha decisão de vir ao governo. Com isso, muitas dessas alianças já vinham sido construídas há mais tempo. Realmente, eu sofri essa dificuldade de ter alianças. Mas eu vejo isso com muita tranquilidade. Vamos ter tempo de televisão, teremos sabatina, vamos ter debates e teremos a rua. Acredito que, neste momento, o mais importante é estarmos na rua, na rodoviária, nas feiras, conversando com a juventude e as lideranças comunitárias. Todo mundo quer muito ouvir e estar próximo de nós.

 

*Estagiário sob a supervisão de Guilherme Marinho