Valor Econômico, v. 20, n. 4829 04/09/2019. Brasil, p. A3

Indústria decepciona e começa terceiro trimestre em queda

  Ana Conceição
  Bruno Villas Bôas 


Depois de um segundo trimestre positivo no PIB, a indústria brasileira iniciou o terceiro trimestre do ano de forma desalentadora. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), houve queda de 0,3% na atividade industrial em julho, na comparação com junho, feito o ajuste sazonal. Foi um resultado inesperado. O mercado esperava aumento de 0,6% no período.

Com cinco meses negativos em sete no ano, a produção industrial deve interromper o processo de recuperação iniciado após o fim da recessão, afirma Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). "2019 será de estagnação no setor e não é desprezível o risco de haver queda no saldo do ano."

No acumulado em 12 meses até julho, a produção caiu 1,3%. Assim, terá de recuperar terreno até atingir a estabilidade. Em 2017 e 2018, o setor cresceu 2,5% e 1%, respectivamente, depois de três anos no negativo. E, passado todo esse tempo após o fim da recessão, quase todos os ramos da indústria de transformação ainda operam abaixo do nível pré-crise, de 2014, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) a pedido do Valor.

Na média, a produção está 13,5% abaixo da média de 2014. O maior "abismo" ocorre na fabricação de equipamentos de transporte, exceto veículos, que opera 45,8% abaixo do nível médio daquele ano. Destaque também para máquinas e equipamentos (-15,8%); máquinas, aparelhos e materiais elétricos (-22,4%); produtos têxteis (-19,9%) e vestuário (-15%), entre outros. Economia em recuperação lenta e intermitente, mercado de trabalho muito fraco, crise na Argentina e desaceleração global têm prejudicado a indústria nacional, segundo analistas.

O recuo de julho veio em linha com o estimado pelo Itaú Unibanco, que vê no dado um elemento que reforça a projeção de retração de 0,2% no PIB do terceiro trimestre, na comparação com o segundo. Entre abril e junho, o PIB cresceu 0,4% sobre janeiro e março, feito o ajuste sazonal. O Banco Safra, que esperava queda de 0,2% na produção industrial manteve a expectativa de crescimento de 0,2% no PIB. A LCA Consultores continua a estimar alta de 0,5%.

Um "mapa de calor" elaborado pelo Itaú Unibanco - que possibilita um diagnóstico de quais ramos da indústria estão acelerando - mostra que, entre as categorias econômicas, a de bens intermediários enfraquece, enquanto as demais estão estagnadas em níveis baixos. Composta por insumos e matérias-primas, essa categoria foi justamente o destaque negativo em julho, ao cair 0,5% na comparação com junho. Ao observar esse recuo, a economista Luana Miranda, pesquisadora da área de Economia Aplicada do Ibre/FGV, aponta a possibilidade de o efeito da crise da Argentina na produção industrial ser mais extenso do que se supõe. "Estamos tentando entender se o país tem a ver com essa queda. É como se houvesse uma bagunça na cadeia produtiva de intermediários", afirma Miranda. A pauta de exportação de produtos brasileiros para o vizinho é dominada por automóveis, mas há outros produtos, como químicos, intermediários para alimentos, peças e metalurgia. "Talvez o impacto da crise argentina possa estar atingindo esses outros produtos e afetando a produção desses itens no Brasil", diz a economista.

Rafael Cagnin, do Iedi, diz que toda a cadeia de produtos automotivos tem sido afetada pela crise no vizinho. "As vendas de intermediários como pneumáticos, motores, autopeças e outros insumos são um exemplo". Mas outra parte importante da retração na produção desses bens é interna. O recuo dos intermediários para a indústria de alimentos e têxtil expressa a fraqueza doméstica, diz Cagnin. "É o mercado interno que impede que a indústria dê um passo à frente."

Para o economista, a guerra comercial sino-americana e a desaceleração da economia global são outros fatores que apontam para o enfraquecimento da indústria, situação que pode se estender a 2020. A competição internacional, lembra Cagnin, aumentou, e países menos competitivos como o Brasil perdem espaço. A depreciação do real pode atenuar esse processo.

Mauricio Nakahodo, do Banco MUFG Brasil, considera que há uma cautela maior com o impacto da deterioração do mercado global sobre a economia brasileira, o que teria feito o setor industrial colocar um freio na produção em julho. A instituição previa alta de 0,3% no período. "Há muita incerteza no momento, acredito que esse fator pesou."

Numa nota positiva de julho, depois da forte queda do início do ano, a indústria extrativa está mostrando uma recuperação já esperada: subiu 6% sobre junho, mas ainda registrou recuo de 6,3% sobre julho do ano passado.

Com poucos indicadores antecedentes disponíveis, as projeções preliminares para agosto são díspares. O Itaú estima queda de 0,4% sobre julho, a MCM Consultores vê alta de 0,1%, enquanto a LCA estima crescimento de 1,1%.