Valor Econômico, v. 20, n. 4827 31/08/2019. Política, p. A8

Palocci relata propina em compra de ações pela Petros

André Guilherme Vieira
Cristian Klein


Em um dos anexos de informações que embasaram delação premiada assinada com a Polícia Federal (PF), o ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil nos governos do PT, Antonio Palocci, relatou suposta propina de R$ 20 milhões que teria sido paga pela Camargo Corrêa em troca de interferência do governo para que a Fundação Petrobras de Seguridade Social (Petros) adquirisse ações que a empresa possuía na holding Itaúsa. O Valor obteve a íntegra dos anexos.

Palocci relatou que a Camargo Corrêa queria se desfazer de sua participação na Itaúsa. "O Petros figurava como potencial comprador, mas não se tratava de uma negociação usual, havendo alguma resistência". Os fatos se desenrolaram em 2010. Tanto o PT quanto a defesa da Camargo Corrêa e de seus acionistas negam de maneira enfática a acusação e ressaltam que a delação de Palocci não foi aceita pelo Ministério Público Federal (MPF). A Petros disse apenas que colabora com as autoridades.

A Itaúsa é a maior acionista do grupo Itaú-Unibanco. A empresa, contudo, não é alvo de nenhuma acusação do ex-ministro nesse anexo. Trata-se apenas da negociação de ativos em forma de ações entre a Camargo e o fundo de pensão. Em nota, a empresa frisou esse fato: "A Itaúsa informa que, no caso da transação citada, os termos de compra e venda se deram de forma privada, entre comprador e vendedor, via Bolsa de Valores de São Paulo, sem qualquer participação da empresa".

Palocci contou que o então ministro do Núcleo de Ação Estratégica da Presidência da República, Luiz Gushiken, atuou no caso. Ele morreu em setembro de 2013. Palocci relata que foi procurado por Luiz Nascimento, da Camargo Corrêa, "para ajudar Luiz Gushiken a agir perante o Petros, a fim de que o negócio fosse realizado." Segundo o relato do delator, o negócio "seria muito vantajoso para a Camargo Corrêa, razão pela qual a empresa teria oferecido "uma vantagem indevida para os envolvidos na operação, a qual restou estabelecida num patamar entre 1% e 1,5% do valor da negociação". Palocci contou que "o negócio efetivamente deu certo, sobretudo em virtude da forte atuação de Luiz Gushiken".

De acordo com Palocci, como a operação foi bem-sucedida, ele foi procurado por Gushiken "para verificar como cobrariam e dividiriam os valores que lhes eram 'de direito'". O ex-ministro disse que sua parte deveria ser destinada ao PT e ao então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, "solicitando ainda que Gushiken realizasse a cobrança de tais valores". Gushiken concordou, disse Palocci.

O delator afirmou ainda que recebeu agradecimento de Luiz Nascimento, "o qual narrou ter repassado mais de R$ 20 milhões a título de 'pagamento' pela realização do negócio." Segundo Palocci, o sócio da Camargo teria explicado que teve de "diluir" os supostos repasses, "para não chamar a atenção", por meio de doações ao Instituto Lula, contratação de palestras através da empresa Lils - aberta pelo ex-presidente quando deixou o cargo, em janeiro de 2011 -, doações para o PT e "repasses para uma conta de Joesley Batista no exterior a pedido de Guilherme Gushiken, filho de Luiz Gushiken".

Ao Valor, o criminalista Celso Vilardi, que defende a empresa e seus sócios (como é o caso de Luiz Nascimento), afirmou que "na medida em que se toma conhecimento da delação de Palocci, compreende-se o porquê de um dos mais experientes procuradores da Lava-Jato ter se referido a ela como 'a delação do fim da picada'". Ele fez menção à declaração do ex-procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, que deixou a força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba no ano passado.

Na opinião do criminalista "trata-se de um amontoado de mentiras, que reúne fatos públicos e invenções, que foram transformadas em 'ouvi dizer'. A verdade será demonstrada no momento oportuno, com muita tranquilidade, até porque nada há de anormal ou ilícito nessa transação".

Palocci também firmou delação premiada com a força-tarefa do MPF do Distrito Federal, que investiga indícios de desvios no Petros e em outros fundos públicos na Operação Greenfield. Na delação de Joesley Batista, sócio do grupo J&F, o empresário confirmou que de fato abriu conta no exterior para receber o dinheiro destinado ao PT, "sendo que parte deste dinheiro certamente faz parte do 'acerto' da Camargo Corrêa", segundo afirmou Palocci.

A delação de Joesley menciona a conta bancária em nome da empresa Okinawa Investment Ltd., uma offshore do grupo titularizada em Nova York. No entanto, o empresário não fez menção à Camargo Corrêa em sua delação.

Segundo Joesley, ele emprestava a conta para o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, movimentar dinheiro no exterior. "Era coisa do Vaccari, eu não faço a menor ideia do que seja", afirmou Joesley em sua delação.

De acordo com a delação do sócio da J&F, Vaccari teria explicado que o assunto era relacionado a Guilherme Gushiken. Joesley entregou aos investigadores extratos da conta com saldo de US$ 1,2 milhão em 2015.

Como evidência de corroboração do relato de Palocci, seus advogados entregaram à PF dados telefônicos, comprovantes de depósitos na conta de Joesley, recibos de pagamentos feitos à Lils e repasses para o Instituto Lula.

Palocci disse que a Lils recebeu R$ 1,9 milhão entre 2011 e 2013, referentes a cinco palestras realizadas no valor médio de US$ 200 mil cada uma, segundo o delator. Segundo o ex-ministro, o Instituto Lula recebeu R$ 3 milhões "em doações e bônus eleitorais".

Em nota, a assessoria do ex-presidente Lula disse que "é público e notório que Antonio Palocci vendeu mentiras à Lava-Jato para sair da cadeia com um patrimônio milionário."

Segundo o comunicado, "é uma delação tão imprestável, sem fatos nem provas, que foi rejeitada pelo Ministério Público e acabou servindo a uma disputa de poder com a Polícia Federal."

Ainda de acordo com a nota, "O trecho [da delação] mencionado pelo Valor é tão inverossímil que atribui a um instituto privado, em 2013, o recebimento de 'bônus eleitorais', modalidade de doação exclusiva a partidos políticos e que foi extinta em 1994. Todas as palestras realizadas pelo ex-presidente Lula para empresas foram contratadas dentro da lei com recolhimento de impostos."

O comunicado da assessoria de Lula classifica de abjeto "atribuir a uma pessoa já falecida, Luiz Gushiken, participação em fatos de 2010, sabendo-se que desde 2006 ele não tinha cargo algum de governo e que o Núcleo de Assessoria Estratégica do governo Lula nunca foi ministério."

A defesa de Vaccari rechaçou a inclusão do nome dele na delação, "pois isto jamais aconteceu". O advogado dele, Luiz Flávio D'Urso, disse que palavra de delator deve ser recebida com reservas e que, neste caso, "não corresponde à verdade".

Em nota, a Petros afirmou estar "comprometida com as melhores práticas de governança e responsabilidade na administração dos recursos dos participantes". A reportagem não conseguiu localizar Guilherme Gushiken e Wagner Pinheiro, presidente da Petros na época.

A fundação disse ainda que colabora" de forma irrestrita com a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e demais órgãos competentes, seguindo procedimento adotado desde o início das investigações nos fundos de pensão".