Valor Econômico, v. 20, n. 4822 24/08/2019. Brasil, p. A8

Itamaraty teme perda de exportações

 Fabio Murakawa


A crise em torno das queimadas na Amazônia ligou alertas no Itamaraty quanto ao risco de que a péssima imagem do governo brasileiro e do presidente Jair Bolsonaro no exterior passe a afetar as exportações do país.

Com protestos em frente a diversas embaixadas, diplomatas ouvidos pelo Valor veem mais riscos de imposição de barreiras por parte de alguns países, individualmente.

Os diplomatas dizem, no entanto, não haver potencial imediato de implosão do acordo Mercosul-União Europeia, como sinalizou o presidente francês, Emmanuel Macron.

O Itamaraty está em compasso de espera para ver se ameaças já feitas por França e Finlândia, que pediu embargo à carne brasileira, se confirmam.

Em um prazo mais longo, caso haja retaliações e medidas restritivas que o Brasil considere abuso, isso pode ser levado a organismos como a Organização Mundial do Comércio (OMC).

No serviço diplomático brasileiro, há uma crença de que o acordo entre os blocos europeu e sul-americano está preservado.

Na visão de um diplomata que participou das conversas para o fechamento do tratado, ele é muito mais vantajoso para a Europa do que para o Brasil.

Essa fonte conta que a gestão Bolsonaro fez concessões que nenhum outro governo aceitou fazer em áreas como licitações, acesso a mercados e denominações de origem, por exemplo.

O acordo com o EFTA (Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein) na última sexta-feira também reforça a percepção de que a questão amazônica não afetará os tratados multilaterais.

A Noruega foi um dos países atacados por Bolsonaro pelo corte de repasses milionários para o Fundo Amazônia.

Ao comentar o congelamento, na semana retrasada, o presidente brasileiro deu uma alfinetada nos escandinavos: "A Noruega não é aquela que mata baleia lá em cima, no Polo Norte, não? Que explora petróleo também lá? Não tem nada a dar de exemplo para nós. Pega a grana e ajuda a [premiê ] Angela Merkel a reflorestar a Alemanha."

O que preocupa o Itamaraty é a força dos interesses contrariados com o acordo, e o alvo preferencial é o agronegócio.

Um dos primeiros setores a serem afetados é o de carnes. Não por acaso, dizem fontes, as manifestações mais enfáticas contra o acordo Mercosul-UE vieram da França e da Irlanda, onde o lobby da pecuária é muito forte. A ligação entre a carne brasileira e o desmatamento da Amazônia é uma ideia já estabelecida no imaginário da população muito antes da crise atual.

Agora, com a percepção de que a Amazônia está em chamas, essas notícias podem funcionar como uma "barreira ambiental" ao produto brasileiro - uma analogia às tradicionais barreiras fitossanitárias impostas aos produtos agropecuários como uma desculpa para proteger a produção nos países importadores.

"Não da para descartar ameaças. Na Suécia, um supermercado dizia que tem que consumir menos carne porque a pecuária causa desmatamento", afirma uma fonte do governo. "Agora não é questão sanitária, é a ambiental. Mas, no fundo é sempre a questão da importação de carne. Os argumentos vão mudando mas o problema é o mesmo."

Bolsonaro se referiu ao tema em cadeia de rádio e TV na última sexta-feira, quando disse que "incêndios florestais existem em todo o mundo, e isso não pode servir de pretexto para possíveis sanções internacionais."

O Itamaraty vem pedindo há semanas que todos os seus postos no exterior espalhem mensagens com "dados verdadeiros" sobre o desmatamento e a política ambiental brasileira.

Também por orientação do ministério, as embaixadas brasileiras no mundo todo têm respondido com cartas e artigos notícias negativas sobre o governo Bolsonaro, inclusive no campo ambiental.

Segundo relatos, a imagem internacional de Bolsonaro, que já era negativa, começou a se deteriorar ainda mais no exterior nas últimas semanas. A demissão do diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) o colocou na pauta de veículos especializados e de países que olham mais para o Brasil, como França e Portugal.

Depois, com os cortes anunciados por Alemanha e Noruega a projetos ambientais, as notícias tomaram uma proporção maior e se espalharam por outros países e na mídia tradicional.

Os diplomatas, que se esforçam para passar uma imagem positiva do Brasil lá fora, dizem que seu trabalho será muito facilitado quanto mais o presidente se mantiver em silêncio.