Valor Econômico, v. 20, n. 4849, 02/10/2019. Política, p. A12

Bolsonaro critica Vale após reunião com garimpeiros

Fabio Murakawa
Andrea Jubé 


O presidente Jair Bolsonaro criticou ontem a Vale ao dizer que a empresa “abocanhou” no governo Fernando Henrique Cardoso “o direito minerário no Brasil”. Para ele, isso foi um “crime que aconteceu”.

Bolsonaro fez a afirmação a um grupo de garimpeiros de Serra Pelada, sul do Pará, que se deslocou a Brasília para pedir uma intervenção federal no velho garimpo dos anos 1980.

Após falar com representantes da categoria em seu gabinete, o presidente saiu à porta do Palácio do Planalto e subiu em uma cadeira para discursar às dezenas de garimpeiros que o aguardavam em frente à guarita principal da sede da Presidência.

“Esse é um país que é roubado há 500 anos. A gente conhece o potencial mineral do Brasil, Roraima, sul do Pará. Eu sei como a Vale do Rio Doce abocanhou no governo FHC o direito mineral no Brasil. Um crime, um crime que aconteceu”, disse Bolsonaro. A mineradora foi uma estatal até 1997.

Os garimpeiros de Serra Pelada acusam a Vale de estar roubando parte do ouro que está embaixo de terras e sobre o qual eles reivindicam ter direito. Acusam ainda a companhia de exportar esse ouro de maneira clandestina.

“Essa área pertence aos garimpeiros. A companhia Vale do Rio Doce recebeu US$ 70 milhões para sair de lá. Só que ela saiu, mas está bem do lado, fazendo um buraco que se chama ‘Projeto Serra Leste’, está mandando para fora do Brasil falando que é ferro, só que ela está levando é ouro e não está sendo prestado conta”, afirmou o garimpeiro Jonas Andrade, membro da Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp), após reunião com Bolsonaro.

Bolsonaro disse que levaria o assunto para o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e acionou a Agência Nacional de Mineração (ANM) para encontrar “alternativas”. Ele disse ter informações “de como nosso minério é doado para os outros países”. E fez referência a fotografias que lhe foram mostradas pelos garimpeiros com túneis supostamente escavados pela Vale para retirar o ouro de forma ilegal de suas terras.

“Dizem que, na impureza do que se exporta de algum mineral, só na impureza, tem ouro muitas vezes”, afirmou. “As fotografias que eu vi, mostram aí túneis em que cabem ônibus duplos. ”

Ele disse ainda que os garimpeiros “foram felizes” na época do governo João Figueiredo (1979-1985), responsável pela abertura do garimpo de Serra Pelada. E prometeu “botar as Forças Armadas” no garimpo se tiver amparo legal.

Após as declarações do presidente, a mineradora emitiu uma nota em que nega extrair ouro na área citada pelos garimpeiros.

“A Vale não tem atividades minerárias em Serra Pelada nem qualquer operação de mineração subterrânea no Pará. A empresa cedeu a área de jazida à Coomigasp em março de 2007. A empresa mantém no município de Curionópolis apenas a unidade Serra Leste, de exploração exclusiva de minério de ferro”, afirma o texto.

Também em nota, o Ministério de Minas e Energia afirma ter abrigado uma reunião em que “os garimpeiros apresentaram denúncias contra exploração irregular de ouro por grupos não autorizados na região de Serra Pelada”. “O grupo foi orientado a formalizar, oficialmente, as acusações para que o tema pudesse ter encaminhamento formal dentro do MME”, disse a pasta, em nota.

Um dos problemas enfrentados pelos garimpeiros é a dificuldade para obter licença ambiental para explorar a região.

O presidente da Associação Brasileira de Pesquisa Mineral (ABPM), Luiz Maurício Azevedo, disse que a declaração de Bolsonaro foi “estapafúrdia e eleitoreira”. Ele ponderou que a sociedade e o ordenamento jurídico não autorizam o garimpo sem a correspondente licença ambiental. “A lei tem quer ser para todos”, disse.

Além da questão de Serra Pelada, os garimpeiros pressionam o governo pela legalização de áreas de garimpo e reclamam da falta de agilidade. Azevedo observa que, em alguns casos, o problema é que essas terras estão em unidades de conservação ambiental, ou em terras indígenas ou em áreas com direitos minerários de empresas regulares. “A sociedade quer exploração com sustentabilidade e dentro do ordenamento legal.”

Ainda falando aos garimpeiros, Bolsonaro fez uma referência implícita às manifestações de preocupação de países estrangeiros sobre a situação da Amazônia. E voltou a criticar o cacique Raoni.

“O interesse na Amazônia não é no índio nem na porra da árvore. É no minério”, disse. “O Raoni fala pela aldeia dele e fala como cidadão. Não fala pelos outros índios, não. É outro que vive tomando champanhe em outros países por aí, esse tal de Raoni aí”, prosseguiu o presidente, sem citar diretamente a França e seu presidente, Emmanuel Macron, com quem vem trocando críticas por conta da questão ambiental.