Valor Econômico, v. 20, n. 4849, 02/10/2019.
Brasil, p. A4
Atividade confirma retomada em ritmo gradual
Arícia Martins
Com boa parte dos índices de atividade já conhecida para o terceiro trimestre,
o risco de queda ou estagnação do Produto Interno Bruto (PIB) no período ficou
para trás. Segundo especialistas, uma série de dados - como a confiança de
empresas e consumidores, a geração de empregos formais e as concessões de
crédito para pessoa física - aponta que o PIB teve desempenho parecido ao
do segundo trimestre, quando cresceu 0,4% sobre os três meses anteriores,
feitos os ajustes sazonais.
Mesmo sem sinais de
aceleração adicional, há uma interpretação mais benigna dos números por
economistas. Isso porque, há cerca de dois meses, não eram raras projeções de
perda do ritmo de atividade em relação ao segundo trimestre, que contavam,
inclusive, com recuo do PIB.
Divulgada ontem pelo
IBGE, a produção industrial de agosto, que subiu 0,8% ante julho na comparação
dessazonalizada, reforçou essa avaliação um pouco mais favorável. A expansão,
no entanto, foi concentrada na indústria extrativa, que deu salto de 6,6% na
passagem mensal.
Já a indústria de
transformação deve ter mostrado fraqueza dentro do PIB, afetada pela perda
de fôlego da economia global e pelo elevado nível de incertezas na economia
doméstica, que inibe reação dos investimentos produtivos, afirmam economistas.
Do outro lado, a melhora das condições financeiras desenha um cenário de maior
dinamismo para o consumo, indicando mais uma vez um PIB puxado pelo
comércio e pelos serviços.
Com 60% dos dados
usados para projetar o PIB divulgados para o terceiro trimestre, o Itaú
Unibanco estima de forma preliminar que a economia brasileira cresceu 0,4%,
mesmo comportamento do trimestre anterior. “Há cerca de um mês e meio, essa
mesma projeção indicava queda, mas houve uma melhora nos dados”, diz o
economista Luka Barbosa. Afastaram a possibilidade de retração indicadores
como o volume de vendas do varejo e a receita do setor de serviços de julho,
que cresceram 0,7% e 0,8%, respectivamente.
No rol de surpresas
favoráveis estão a alta da produção industrial em agosto e a importação de bens
intermediários do mês passado - um dos poucos antecedentes industriais já
conhecidos referentes a setembro -, que apontam para nova alta no mês passado,
diz Barbosa. “Não nos parece que há aceleração, mas os dados afastam a
possibilidade de um terceiro trimestre negativo”, afirma ele.
Para Barbosa, a perda
de fôlego da economia global é o fator que explica por que a reação da
atividade doméstica não ganhou tração. O cenário externo afeta a indústria
brasileira reduzindo as exportações de manufaturados, diz ele. Além disso, a
evolução dos investimentos tem alta correlação com as cotações internacionais
de commodities, que estão em queda, acrescenta.
Solange Srour,
economista-chefe da ARX Investimentos, destaca o elevado nível de incerteza no
ambiente econômico como entrave à retomada da formação bruta de capital fixo
(FBCF, medida das contas nacionais do que se investe em máquinas, construção
civil e inovação). Mais uma vez, o consumo das famílias deve ter garantido a
expansão de cerca de 0,3% esperada para o PIB entre julho e setembro,
enquanto os investimentos não decolaram, avalia.
Além da produção
industrial, Solange menciona a melhora da confiança, de indicadores da
construção civil e de dados de mercado de trabalho - esta última ainda bastante
tímida - como sinais de que a atividade está em reação, mas em ritmo
lento. “O fundo do poço ficou para trás, mas a recuperação segue lenta e
gradual”, diz ela.
Do lado positivo, a
economista aponta o afrouxamento das condições financeiras. Não só a Selic caiu
bastante, mas também a curva longa de juros, movimento que tem efeito positivo
sobre a “economia real” com defasagem e, por isso, deve ficar mais claro
no quarto trimestre, aponta ela. Nos últimos três meses do ano, o impacto dos
saques do FGTS sobre o PIB também será mais relevante, acrescentou.
Para Cristiano
Oliveira, economista-chefe do banco Fibra, estão se formando condições para
crescimento superior a 0,75% por trimestre, e o mercado de crédito é um
dos fatores que sinalizam essa tendência. Em agosto, mencionou, as concessões
para pessoa física e jurídica aumentaram 1,6% e 2,3% sobre julho,
respectivamente, séries já dessazonalizadas e deflacionadas.
Essa melhora é
importante porque impulsiona o consumo, uma vez que a demanda das famílias
depende basicamente da renda disponível e do crédito, diz Oliveira. E, no
mercado de trabalho, a geração de 121,4 mil vagas formais em agosto mostrou que
o pior momento já ficou para trás, afirma o economista.
Há efeito positivo do
crédito no varejo e nos serviços, setores que também se beneficiam da
melhora incipiente no emprego, diz Rodrigo Nishida, da LCA Consultores. A LCA
também espera que o PIB mostre ritmo semelhante ao do segundo trimestre no
período seguinte. “Ainda que mais concentrada em postos informais, a ocupação
está aumentando, o que gera ganhos na massa real de renda”, afirma ele.
A injeção de recursos extras com os saques do FGTS também deve ter dado
algum fôlego ao consumo a partir de setembro.
O mês passado ainda
contou com dois dias úteis a mais do que igual período de 2018, outro vetor que
atua a favor do nível de atividade, observa Nishida. Mesmo assim, o desempenho
médio da indústria no terceiro trimestre tende a ser pífio, pondera.
A volatilidade do ambiente externo é relevante para explicar por que o setor
manufatureiro seguiu em ritmo fraco, avalia Nishida. “Temos um cenário de
desaceleração do comércio global, em que todos os industriais no mundo estão
procurando algum mercado pra colocarem seus produtos.
”