Valor Econômico, v. 20, n. 4848, 01/10/2019.
Especial, p. A14
Setor público tem sido foco crescente de startups
Ana Conceição
O fornecimento de soluções e serviços digitais para os governos tem sido o foco
de um crescente número de startups que desenvolvem ferramentas digitais. A
Fábrica de Negócios, do Recife, é uma delas. Criada em 2016, auge da
recessão econômica, a pequena empresa de Hamilton Alves Pessoa desenvolveu uma
ferramenta de auditoria de folha de pagamentos que segue regras previstas pelo
Tribunal de Contas da União (TCU). O sistema é usado agora pelas
prefeituras do Recife e de Teresópolis (RJ) e pelo governo do Amapá.
No Recife, a
ferramenta sanou o pagamento indevido de R$ 10 milhões, numa folha salarial de
R$ 150 milhões mensais. “Tínhamos um sistema desatualizado e com uma série de
falhas. Agora, a ferramenta checa inconsistências de informações. Com
isso, fechou-se uma torneira [de perda de recursos]”, afirma o secretário de
Finanças de Recife, Ricardo Dantas. O processo, segundo ele, foi acompanhado
pela Controladoria-Geral do município.
Outra ferramenta
desenvolvida pela Fábrica de Negócios audita pagamentos de tributos feitos por
empresas instaladas na capital pernambucana. Com o auxílio de um algoritmo,
aponta onde estão possíveis irregularidades, tornando mais eficiente o trabalho
do auditor. “Antes, um auditor conseguia fiscalizar 50 empresas por ano, agora
são 250”, afirma Hamilton Pessoa. O efeito na arrecadação do Imposto Sobre
Serviços foi significativo. “O ISS sempre foi a segunda menor receita do
município e passou a ser a maior em 2018, atrás do repasse do ICMS pelo
Estado”, diz o secretário de Finanças.
Outras iniciativas de
governo digital feitas pela prefeitura do Recife são a integração 100% dos
dados da Junta Comercial e da Receita e o georreferenciamento
do município, que possibilitou uma arrecadação adicional de R$ 64 milhões em
IPTU e taxa de coleta de lixo de áreas não estavam computadas no sistema da
prefeitura.
Em Cotia, no Estado de
São Paulo, um projeto do Instituto Tellus em parceria
com a Roche e o Instituto Betty & Jacob Lafer melhorou o sistema de
agendamento de consultas na saúde básica, o que diminuiu as faltas de
pacientes. Além da instalação de um totem de autoatendimento em uma das UBS da
cidade, criou-se aplicativo, que também pode ser acessado na versão web,
para agendamento e envio de SMS com a confirmação de data e lembretes da
consulta. As faltas na UBS de Portão, a primeira a receber o sistema, caíram de
38% para 22%. A meta é chegar a 10%. A iniciativa agora vai abranger as 25
unidades da rede no município.
Para Letícia Piccolotto, da BrazilLab,
aceleradora de startups voltadas ao setor público, as chamadas “govtechs” podem melhorar a vida do cidadão e também os
processos internos dos governos. “Há muita demanda de gestores públicos que
querem estruturar projetos”, afirma. A BrazilLab já
acelerou 55 startups e tem parceria de 27 prefeituras. O campo é fértil
para a criação de empresas inovadoras, diz Letícia. “Só neste ano, os governos
devem comprar R$ 5 bilhões em tecnologia. Isso fica nas mãos de quatro ou cinco
players. Queremos que outras empresas, mais disruptivas,
entrem nesse universo”, diz. Para ampliar o número de startups capacitadas a
vender inovação para governos, a BrazilLab criou
o selo GovTech, que funciona como uma certificação
independente.
Pessoa, da Fábrica de
Negócios, diz que é um desafio fornecer para o setor público. “São projetos
complexos em que concorremos com grandes empresas. O ideal é que existisse uma
política voltada à aquisição de produtos de pequenas empresas.”
Seria uma forma de fomentar o aumento desse mercado no país. Mas ele vê espaço
para crescer. Depois de anos “desastrosos”, em 2016 e 2017, a startup conseguiu
conquistar 18 clientes no setor público e no setor privado e está participando
de processos em 12 prefeituras do Sudeste e governos de três Estados.