Valor Econômico, v. 20, n. 4848, 01/10/2019. Política, p. A10

Cartórios enviarão dados a antigo Coaf

 Isadora Peron


A partir do primeiro biênio de 2020, os cartórios de todo o país vão ser obrigados a comunicar movimentações suspeitas à Unidade de Inteligência Financeira (UIF), o antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Um ato normativo sobre o tema vai ser assinado hoje. A exigência existe desde 2012, mas aguardava a regulamentação da corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Segundo o Valor apurou, o provimento tem 45 itens, e prevê, entre outras medidas, que os cartórios notifiquem transações estranhas de Pessoas Politicamente Expostas (PEPs), isto é, políticos com mandatos, autoridades públicas, juízes, procuradores e seus respectivos familiares, como cônjuges, filhos ou enteados.

A expectativa é que as comunicações dos cartórios, que devem começar entre janeiro e fevereiro do ano que vem, aumentem o fluxo de informações que chegam ao órgão de inteligência financeira, o que vai trazer novos elementos para o combate à corrupção e lavagem de dinheiro.

A inclusão do segmento no rol das entidades que precisam prestar informações à unidade de inteligência faz parte de uma série de exigências do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi) para que o Brasil suba de patamar na avaliação mundial do órgão, que será realizada em 2020. “Nós vamos atuar como uma espécie de compliance. Nós não vamos ser partícipes de atos ilícitos. Estamos prontos para contribuir”, disse o presidente do Conselho Federal do Colégio Notarial do Brasil (CNB-CF), Paulo Gaiger.

Segundo ele, a norma brasileira foi inspirada em “uma experiência muito bem-sucedida” na Europa e segue o modelo espanhol, onde os cartórios só perdem para os bancos em relação ao número de informações financeiras informadas.

A inclusão dos cartórios como entes obrigados a prestar informações acontece em meio a uma paralisia das atividades do antigo Coaf, após o órgão se tornar pivô de uma investigação contra o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro.

Foi um pedido da defesa de Flávio que fez o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, barrar o uso de informações detalhadas do antigo Coaf sem autorização prévia da Justiça, o que fez as atividades do órgão despencar. Em agosto, o órgão elaborou apenas 136 documentos relatórios de inteligência financeira, chamados de Rifs, ante uma média de 741 por mês no primeiro semestre.

O antigo Coaf também passou por uma série de mudanças de subordinação. A unidade começou o ano sendo transferida do então Ministério da Fazenda para a pasta Justiça e Segurança Pública, pasta comandada pelo ex-juiz da Lava-Jato, Sergio Moro.

O Congresso, no entanto, não chancelou a medida, e órgão teve de voltar para a Economia.

Após nova pressão política, Bolsonaro decidiu transferir o órgão para o Banco Central e rebatizá-lo de UIF. O então presidente do órgão, Roberto Leonel, aliado de Moro, foi demitido e o cargo assumido por um servidor de carreira do BC, Ricardo Liáo