Valor Econômico, v. 20, n. 4848, 01/10/2019. Política, p. A10

Lula rejeita progredir de regime e diz “não barganhar” sua liberdade



O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recusou a progressão da pena do regime fechado para o semiaberto. Em carta divulgada ontem, Lula criticou a força-tarefa da Lava-Jato e o ex-juiz Sergio Moro, e disse apostar no Supremo Tribunal Federal (STF) para anular sua condenação.

“Quero que saibam que não aceito barganhar meus direitos e minha liberdade. Já demonstrei que são falsas as acusações que me fizeram”, afirmou Lula, na carta.

No texto, o ex-presidente disse que os procuradores da República que o investigaram e conseguiram sua condenação deveriam “pedir desculpas ao povo brasileiro” e os chamou de mentirosos.

“Estão presos às mentiras que contaram ao Brasil e ao mundo (...) Diante das arbitrariedades cometidas pelos procuradores e por Sergio Moro, cabe agora à Suprema Corte corrigir o que está errado, para que haja justiça independente e imparcial, como é devido a qualquer cidadão. ”

A carta de Lula foi uma resposta ao Ministério Público Federal (MPF), que na sexta-feira pediu à Justiça, nos autos da ação de execução penal por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, que conceda progressão de regime ao petista, pelo fato de ter cumprido um sexto da pena. Cabe ao MPF fiscalizar direitos e deveres dos presos, segundo a Lei de Execução Penal.

Lula reuniu-se ontem com seu advogado, Cristiano Zanin, a presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad e o dirigente partidário Emídio de Souza para discutir estratégias política e jurídica a ser adotadas com a recusa da progressão da pena.

O petista está preso desde abril de 2018 na Superintendência da Polícia Federal (PF) em Curitiba, depois de ter sido condenado pelo recebimento de propina da OAS na forma de um tríplex no Guarujá. O ex-presidente teve a condenação reduzida para oito anos e 10 meses de prisão pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e já cumpriu um ano e cinco meses de pena.

Zanin disse que o ex-presidente não é obrigado a aceitar a progressão de pena e que, na sua avaliação, Lula não está descumprindo uma decisão judicial.

“Ele não aceita qualquer condição imposta pelo Estado porque não reconhece a legitimidade do processo que o condenou e que o trouxe ao cárcere”, afirmou Zanin em transmissão pela internet.

Lula e seus aliados acreditam que se aceitarem a progressão para o regime semiaberto, o julgamento da suspeição do ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, pelo STF, poderá ser adiado. A expectativa é que a Corte anule a ação de Lula, depois da divulgação de mensagens pelo site “The Intercept”, que sugerem imparcialidade de Moro e de procuradores da Lava-Jato em mensagens trocadas sobre os rumos da operação.

Além de se dizer vítima de um processo de natureza política para impedi-lo de disputar as eleições presidenciais de 2018, Lula se recusa a usar tornozeleira eletrônica - condição para detentos da Justiça Federal progredirem de regime.

A estratégia de Lula é considerada controversa por advogados e juristas ouvidos pelo Valor.

“A lei não dá ao réu o direito de aceitar ou não a progressão de regime. O artigo 112 da lei de execução prevê que, uma vez atendidos os requisitos objetivos e subjetivos, o juiz determinará a progressão de regime. Me parece uma decisão mais de natureza política que jurídica”, afirmou o doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo, Conrado Gontijo.

Na opinião do criminalista Bruno Garcia Borragine, não se trata de uma questão absoluta.

“É obrigação do Estado e direito do réu. Ele não pode simplesmente ser empurrado para fora do presídio”, disse.

“A regra é que o semiaberto seja cumprido em estabelecimento adequado a esse regime, o que não é o caso da PF de Curitiba. Mas, em se tratando do Lula, tudo é possível”.

Ontem, a juíza substituta da 12ª Vara Federal de Curitiba, Carolina Lebbos, apontou “equívoco” no cálculo financeiro da execução criminal de Lula e mandou comunicar o fato às partes da ação.