Valor Econômico, v.20, n. 4925, 23/01/2020. Valor Investe p.C10

 

Mercado de crédito privado: hora de resgatar ou investir?


Mais dinheiro alocado em uma classe de ativos do que títulos disponíveis faz com que os preços aumentem e, em razão disso, que as taxas caiam

Bruno Eiras

O último trimestre de 2019 foi marcado por retornos abaixo do esperado em toda a indústria de crédito privado. O movimento foi, de fato, brusco, mas é importante elucidar alguns pontos que podem explicar esse cenário.

Desde o início do ano de 2018, os fundos de renda fixa de crédito privado têm se tornado uma ótima alternativa para o investidor e poupador, em busca de rentabilidade com baixa volatilidade, em um novo mercado brasileiro com taxas de juros baixas. A busca da pessoa física por melhores opções de investimento - alternativamente à tradicional poupança e até mesmo ao Tesouro Direto, visto que não remuneram mais como os dois dígitos da taxa Selic de anos atrás - trouxe grandes captações para o segmento de crédito.

Em contrapartida não houve, contudo, tantas emissões de empresas e volumes no referido período capaz de suprir a demanda desses investidores. Tal cenário causou uma “corrida” em busca de ativos dessa natureza e, consequentemente, a compressão nos prêmios de crédito de diversos papéis. Pode-se dizer que o mercado se comportou de acordo com a lei básica da economia de oferta e demanda: mais dinheiro alocado em uma classe de ativos do que títulos disponíveis faz com que os preços aumentem e, em razão disso, que as taxas caiam.

Esse cenário de taxas extremamente baixas, no entanto, passou por uma forte reversão no último trimestre e o mercado caminhou para o extremo oposto: os títulos passaram a ser negociados com taxas demasiadamente altas e os preços, significativamente descontados. O início da referida reversão iniciou-se com a mudança de mindset dos investidores, principalmente pessoas físicas. Em busca de uma eventual rentabilidade superior, alguns investidores acabaram por retirar seus recursos de títulos de renda fixa corporativa e de fundos de crédito para fazer alocação em ativos de maior risco.

Quando um fundo de crédito sofre resgates mais expressivos por parte de seus investidores, torna-se necessário vender títulos integrantes de sua carteira no mercado secundário com vistas a manter a disciplina dos limites estabelecidos pelos gestores, bem como o mandato de cada fundo, principalmente do ponto de vista da liquidez e caixa mínimo. Tal fato nos leva novamente a invocar a regra básica da economia de oferta e demanda. Na medida em que os preços desses ativos caem, com o aumento das taxas correspondentes, todos os fundos que também possuem esses ativos em suas carteiras precisam reprecificar.

Nessa etapa é que entra a famosa “marcação a mercado” realizada pelos administradores fiduciários e custodiantes dos fundos, o que acaba por impactar negativamente a rentabilidade desses produtos. Ao verificarem que o retorno financeiro diminuiu, os investidores pedem novos resgates e dão continuidade a esse ciclo negativo, facilmente verificado no decorrer do final do ano.

Com base em análises e estudos de países desenvolvidos, com economias mais maduras que o Brasil e que já passaram pelo mesmo intenso afrouxo na política monetária, notamos que em um primeiro momento, o movimento foi também a abertura dos spreads de crédito, ou seja, o Brasil não seria diferente.

A correção é um movimento natural desse mercado e muito benéfico quando vislumbramos sob o prisma de médio e longo prazos. Primeiro porque ajudará a trazer mais racionalidade para os preços de alguns ativos que não estavam com a relação risco-retorno ajustada. Em segundo lugar, com esse movimento de abertura dos prêmios de crédito, o carrego natural dos fundos aumentou consideravelmente, trazendo maior rentabilidade após esses ajustes na carteira.

Com isso, há espaço também para futuras pequenas correções, podendo alguns ativos voltar a comprimir seus spreads de crédito novamente, como temos visto já nesse início de janeiro, e assim gerando ganho de capital momentâneo acima do carrego dos fundos atualmente.

Além das explicações específicas para as mudanças verificadas no mercado de crédito, é importante que o investidor tenha em mente que esse segmento - assim como os demais - é passível de momentos de maior volatilidade, e que faz parte da dinâmica do mercado financeiro.

O ponto mais importante a ser notado diante da volatilidade a que tal mercado esteve sujeito é que esse cenário não tem qualquer relação com a piora do risco de crédito das empresas. Muito pelo contrário. As companhias passaram por um forte movimento de redução de sua alavancagem nos últimos anos, buscando melhorar suas margens e reduzir seus custos.

Ao compararmos 2019 com o biênio 2015 e 2016, por exemplo, é possível dizer que, atualmente, temos um cenário muito mais positivo do ponto de vista de riscos de crédito, capacidade de pagamento e solvência das empresas. Além disso, em um cenário de taxa de juros mais baixa, as companhias tendem a ter uma saúde financeira mais sólida para quitar suas dívidas, uma vez que o serviço da dívida diminui e a linha de despesas financeiras no balanço das empresas cai drasticamente. Portanto, vemos uma grande oportunidade de aumento dos investimentos no mercado de crédito.

O movimento dos grandes bancos e tesourarias corrobora essa visão. Algumas instituições financeiras vêm aproveitando esse período de correção dos prêmios de crédito justamente para alocar mais recursos no segmento, adquirindo bons ativos por preços descontados, muito aquém do que seus fundamentos refletem.

Os títulos de renda fixa, diferentemente das ações, têm vencimento. Isso garante que o investidor que mantiver esse ativo até o final do prazo, irá receber a rentabilidade contratada no momento de sua aquisição, independentemente das condições do mercado secundário e marcações a mercado - considerando um cenário em que a empresa estará adimplente com seus credores.

Aliás, a máxima aplicável ao mercado de ações de comprar na baixa deve se aplicar ao mercado de renda fixa de crédito privado no atual momento. Abre-se uma janela de correções necessárias e saudáveis de precificação, mas também de oportunidade de alocações em ótimos ativos vis-a-vis seu risco de crédito.