Valor Econômico, v. 20, n. 4848, 01/10/2019. Brasil, p. A2

Em 15 Estados brasileiros, apenas 32% das mulheres presas trabalham
Leila Souza Lima


No sistema penitenciário de 15 Estados brasileiros, apenas 31,8% das mulheres presas trabalham, aponta pesquisa inédita do Instituto Igarapé. O percentual de detentas remuneradas pelas tarefas, uma regra prevista na Lei de Execução de Penal (LEP), é ainda menor, de 23,9%.

A baixa adesão de empregadores a programas que promovam essa oportunidade levou o Instituto Igarapé a criar a campanha “Sócios da Liberdade”, com lançamento previsto para hoje, a fim de mostrar a empresários quais são os incentivos, regras e vantagens dessas contratações, além de destacar a contribuição social desse engajamento para a redução da violência e prevenção da reincidência criminal. O material ficará hospedado em página própria que poderá ser acessada também pelo site do instituto.

Pela Lei n7.210, de 11 de julho de 1984, empresários e instituições que ofertam trabalho para detentos devem remunerar a partir de piso que corresponda a três quartos do salário mínimo. Não há obrigação de pagar férias e 13º, tampouco arcar com os demais encargos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), já que a atividade está submetida à Lei de Execução Penal.

“Além dos benefícios econômicos, quem participa de um programa como esse está investindo em iniciativa de grande impacto social, e isso se transforma em ativo. É atrativo para clientes, investimentos e novos talentos”, diz Dandara Tinoco, mestre em Políticas Públicas, Estratégias e

Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rijo de Janeiro (UFRJ) e assessora sênior de pesquisa no Instituto Igarapé.

A instituição produziu extenso questionário enviado às administrações penitenciárias via Lei de Acesso à Informação. Quando voltaram com dados sobre população carcerária e quantas mulheres trabalham, no caso somente de 15 Estados, o Instituto Igarapé extraiu o dado sobre acesso ao trabalho. Foram os casos de Alagoas, Amapá, Amazonas, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo.

Segundo a pesquisadora, a verificação chegou a sondar o encaminhamento de egressas a empregos. Entre os Estados que responderam, só sete tomaram a iniciativa. Tampouco é comum que monitorem a situação das ex-detentas - um ou outro o fazem. “Há grande dificuldade nesse acompanhamento, não é investimento prioritário”.

Dandara ressalta ainda que a remuneração é um dos pontos de fragilidade em alguns dos programas - o que em tese configura descumprimento dos direitos das mulheres. Propiciar renda, argumenta ela, é importante para reduzir reincidência e promover a inserção social.

“É preciso expandir o número de presas trabalhando, mas atendendo a critérios mínimos para construir uma nova trajetória. Não basta oferecer só trabalho, tem que seguir normativas nacionais e marcos internacionais, incluindo aspectos como segurança do trabalho, garantia de estudo e também remuneração”.

Dandara pondera, no entanto, que há diversidade enorme de regras estaduais, por isso é preciso levar em consideração a forma de execução dos programas. “Há projetos em que as mulheres fabricam itens que são doados e não vendidos. Então é preciso entender as diferenças. ”

Além de fixar ganho mínimo, a Lei de Execução Penal prevê a remissão da pena. A cada três dias trabalhados, é descontado um dia na prisão. Pela lei, quando a prisioneira é remunerada, parte do dinheiro vai para poupança que pode ser sacada quando ela ganha a liberdade. Um dos usos seria custear o retorno para a casa.

“Mas também pode ajudar a financiar um projeto independente, por isso é importante qualificar para o empreendedorismo”, afirma Dandara. Esse é outro aspecto que precisa de adequação nos programas de qualificação e trabalho nas prisões. A pesquisa identificou que a maior parte das atividades informadas pelas administrações penitenciárias está relacionada a treinamento para funções em cozinha ou corte e costura -universo limitado diante de outras inúmeras possibilidades de obter renda hoje.

“Essas mulheres já eram vulneráveis antes da prisão, pois grande parte é negra, pobre e com baixa remuneração. Ao sair, ainda carregam o estigma de terem sido condenadas, por isso as chances precisam ser ampliadas. ” Além contextualizar, a pesquisa “Trabalho e liberdade: por que emprego e renda para mulheres podem interromper ciclos de violência” aponta soluções e recomendações para expandir e qualificar as ofertas.

O número de mulheres privadas de liberdade no Brasil vem crescendo expressivamente, alerta o instituto. Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, esse contingente aumentou quase sete vezes desde o ano 2000 - a população de presas chegou a 37.828 em junho de 2017. No mesmo período, o aumento na quantidade total de presos foi de pouco mais de três vezes, e aproximadamente 65% das mulheres estão presas por tráfico de drogas.

Esse é outro fator que tem relação com a situação de vulnerabilidade social delas. Muitas passam a traficar para sustentar a família após a prisão ou morte dos companheiros que praticavam o mesmo delito. Não raramente, são flagradas tentando entrar em presídios com drogas.

Preocupam ainda o instituto que propostas contidas no pacote anticrime agravem a situação do encarceramento feminino. Numa delas, liderada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), está prevista a inclusão do crime de associação para tráfico - caso de pessoas presas sem armas e por vezes até sem drogas - entre os classificados como hediondos. Dados de junho de 2017 apontam que havia 1.680 delitos dessa natureza tentados e consumados entre mulheres. Se a medida for aprovada, elas terão vedada a possibilidade de anistia, graça ou indulto e ainda de pagar fiança.

“Tem que pensar no contexto familiar, pois muitas delas têm filhos e até os sustentam sozinhas”, observa Dandara. Ela frisa que fechar as portas a essas mulheres reforça a cadeia de vulnerabilidade social e não traz solução para a violência.